Ouvi com atenção a pessoa que desabafava: “a velhice nos leva quase tudo”. Havia falado a respeito de épocas passadas e o quanto havia perdido com o avanço dos anos, especialmente nos seus relacionamentos. Afora aqueles que já partiram para a Eternidade, ainda se referia aos que se afastaram, muitas vezes, mesmo morando nas proximidades. O tempo fizera com que fossem apoucando ainda mais as amizades que restaram do que se pensou que fossem tempos áureos da infância e da juventude.
Ao telefone, deu-se conta de que, quando se é criança ou jovem, não se
precisa contar os amigos. As relações são naturais na vizinhança, no colégio,
nas igrejas, ou, até, na rua. Formam-se grupos e, sem qualquer pretensão de se
dar uma definição, se cuida, procura, se preocupa. Exercemos a solidariedade
sem a necessidade de conhecimento semântico. Sabe-se em quem se pode confiar e
com quem se pode contar. Os amigos são contados nos dedos das mãos. Pena é que
também estes dedos vão minguando...
Morando sozinho, precisou fazer uma cirurgia. Quase sem parentes na cidade, todos trabalhando ou em outras atividades, programou contratar cuidadores. Foi quando recebeu o telefonema de um velho conhecido de juventude. Morava em Porto Alegre, trabalhava com assistência remota em internet e soube do seu problema. Podia vir tirar alguns dias com ele, ficando na sua casa ou em um hotel. Ficou surpreso, até pensou em recusar, mas a graça era tanta... Esperava que o Santo não se assustasse! Deu tudo certo.
Contou também que, em viagem ao Rio de Janeiro, novamente, foi ao Cristo
Redentor e, para surpresa, encontrou um daqueles “parceiraços” de todas as
horas durante o seu período universitário. Feliz, armou o melhor sorriso e foi
cumprimentá-lo. A recepção foi seca do tipo “realmente te conheço?”, sem muita
conversa, desanimando qualquer modo de aproximação. Foi quase um abano ao
passar. No hotel pensou que havia sido o reencontro mais frio que tivera: o
ponto e o contraponto da amizade em pouco tempo...
A mãe envelheceu com a presença de pouco amigos. Morreu lúcida, dentro do
possível. Pessoas chegavam e perguntavam: “ela tá bem?” Olhava para ela que,
quase sempre, sorria, e eu dizia: “ela tá idosa, mas não tá gagá. Pode
conversar com ela!” Queria ter sido mais amigo da minha mãe. Dei-me conta de
que tanto ela quanto o pai e meus irmãos sempre formamos um grupo familiar, mas
pouco fomos capazes de superar o elemento cultural que apenas dá papeis aos
seus integrantes, com poucos laços afetivos.
A amizade é fundamental em qualquer fase da vida. A perda da vida ativa,
depois dos 60 anos, é um prato cheio para que um bom número se acomode e passe
a reclamar de que não é mais necessário ou querido... Encontrar pessoas, poucas
que sejam, revigora o bem-estar emocional e físico. Não adianta chorar a infância
e a adolescência passadas, fomos agraciados com novos tempos, novas formas de
relacionamento. E, afinal, embora possa parecer, se quer estar longe do dia em
que se parta desta para melhor...
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