domingo, 20 de agosto de 2023

A caverna do mito e da “ogrice”...

Meu interesse por comunicação vem desde os tempos em que os meios que se utilizam hoje sequer engatinhavam. Fui criado na cultura do rádio e do cinema. Ainda criança, o transmissor à pilha incentivava a imaginação, com as novelas que depois estariam na televisão; os programas infantis, especialmente contadores de histórias; os shows de calouros em emissoras que tivessem auditório para apresentações públicas; assim como tocar os discos gravados que utilizavam este veículo e o circo para se popularizar.


O cinema era iguaria à parte. Em especial as sessões de fim de semana e as já contadas e cantadas matinés, aos domingos à tarde. A melhor calça curta, melhor camisa, sapatos e meias, cabelo lambidinho e a recomendação de que não se sujasse, tanto na ida, quanto na volta. Reunir os amigos e ir até a porta da casa de espetáculos para, antes, trocar gibis. Em alguns casos eram tantos garotos sedentos por novas leituras que os porteiros tinham que apressar o ingresso e continuar com as negociações depois da sessão.

No início da década de 60 não tinha ideia do que estava por acontecer. De que, neste início de século, a discussão seria em torno da internet, inteligência artificial, robótica e holografia. Tenho que reconhecer que me sinto fascinado pelas possibilidades que se abrem com as transformações e os avanços que a ciência conseguiu. A comunicação se transformou na maior possibilidade e na maior arma já criada pelo homem. Ao ponto de se discutir formas de restringir o seu avanço, em especial na inteligência artificial...

Necessário repetir que toda a forma que amplia a capacidade de utilizar a inteligência humana não existe por si só. É, exatamente, um “meio”, portanto a serviço do homem, utilizado de forma certa ou não. Os meios não são bons ou maus por excelência. São apenas meios, que dependem de uma mente capaz de utilizá-los. Se aproximam ou afastam? Bem, esta é outra história. Em tempos de alta circulação de informações e de dados, nunca tantas pessoas se sentiram tão só, com sintomas de ansiedade e depressão.

Batizei como “síndrome do Ogro” ou “de Shrek”, uma das sensações do nosso tempo. O Paulo Sérgio, vizinho, amigo e dono de uma boa comida, ficou preocupado que eu repita que já estou velho e tem certas coisas que não quero fazer. Enquanto um cantor, creio que o Gilberto Gil, com mais de 80 anos, anda serelepe pelos palcos. Verdade, a “ogrice” se caracteriza, especialmente, pelo desejo de não sair da “caverna”, diante dos recursos que se tem em casa, no intuito de não incomodar e não ser incomodado...

Meios eletrônicos, hoje, são mais do que meios de comunicação. Transformam onde se está num centro de autossuficiência: se pedem alimentos, remédios, movimenta conta bancária, enfim, o que se precisa chega até a porta. Aumentou a capacidade empática? Não. Ao contrário, vê-se que promessas de conversas, visitas, passeios vão minguando. O sonho da criança do século passado esmaece, como no mito de Platão, no fundo da caverna, por onde sombras apenas parecem com a vida que, de alguma forma, já se foi...

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