Dona Leonida mora com a filha numa casa pequena, na periferia da cidade. A cerca foi trocada pelas grades, mas não abre mão de ter os seus verdes e as suas flores no recuo entre a calçada e a moradia. Já não são muitos os vizinhos que as procuram e como a filha trabalha de plantonista, são diversas as ocasiões em que a senhora fica sozinha. Diz que não tem medo: entrega a sua confiança a Deus, seu Anjo da Guarda e Nossa Senhora. Como reforço, passa a chave nas portas e abre, apenas, as janelas gradeadas.
De vez em quando, aparece uma viva alma que chama do
portão. Já é motivo para dona Leonida resmungar que “esta gente não sabe que
tem campainha?” Era uma das vizinhas que não queria entrar, mas saber notícias
da mãe e da filha. Conversaram por longo tempo, uma na rua, a outra do lado de
dentro da grade. Ao se despedirem, a senhora tinha um sorriso no rosto e uma
nova disposição. Quando a filha retornou, reparou que tinha acontecido alguma
coisa e diz que quase se arrependeu de perguntar...
“Ô, mãe, tu viu passarinho azul!” Com cara de
indiferente, a idosa respondeu: “que nada, o estorvo da vizinha apareceu só pra
jogar conversa fora. Vê se tenho tempo pra isto? Ficou uma hora de lero-lero na
frente da casa.” A filha sorriu e brincou: “mas a senhora gostou da visita?” De
bate pronto, a resposta: “me respeita. Cheia de serviços e tendo que atender a
uma desocupada.” Mas, durante os próximos dias, em meio às conversas sempre
aparecia a citação de algo dito pela visitante que ficou na calçada.
Já falei das experiências que são feitas em
condomínios populares que refazem relações que eram comuns nas experiências de
moradores de vilas. Recentemente, ouvi histórias de quem reside nestes
conjuntos a respeito da festa de Halloween. Tirando a discussão de que é uma
“importação” cultural, fico com a ressignificação mais simples: motivação para
que as pessoas circulem no ambiente em que moram, a aproximação das pessoas e
das crianças, assim como a oportunidade para a festa e a convivência.
A festa acontece na vigília de Todos os Santos e
precede o dia da memória dos mortos. Ganhou força na divulgação americana, mas
que existe em várias culturas, envolvendo motivações religiosas e gastronômicas.
Recuperadas em novos ambientes urbanos, infelizmente, já tem pouco da tradição
religiosa, mas manteve o aspecto da festa e da gastronomia, assim como o fato
de que se dá na noite em que o imaginário é fértil em recuperar histórias que
transitam no limbo entre os vivos e os mortos...
A palavra comum nas histórias é vizinhança. Conceito
meio esquecido, mas importante de se recuperar para humanizar as relações
sociais. Morando em casa ou apartamento, ninguém é uma ilha, cercado pela
humanidade. Estender pontes pode ser parar em frente a uma grade e chamar, estimular
vizinhas a vestirem fantasias e participar da algazarra dos filhos. Quem sabe,
sorrir, dar um bom-dia, no corredor do condomínio... Pequenos gestos de
gentileza, capazes de deixar o dia mais leve, com gosto de... vizinhança!
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