terça-feira, 23 de agosto de 2022

A sombra da violência que assusta

A tragédia acontecida com o Gabriel Marques Cavalheiro (18 anos), que morreu depois de abordagem policial em São Gabriel, expõe um problema sério: a necessidade de que agentes públicos sejam preparados para cuidar/servir. Infelizmente, é uma noção que falta a muitos servidores, quando há um relacionamento direto com a população mais fragilizada. Pode-se inferir que existem casos parecidos quando se fala do atendimento da saúde, da fiscalização de atividades públicas, assim como da educação.

Quando atuava na disciplina de Pastoral e Comunicação, dentro do curso de Teologia, discutia com seminaristas e leigos que somente se aprende a cuidar, cuidando. As teorias são interessantes, mas são muitos os casos em que “na prática, a teoria é outra”. Usava como exemplo o caso da assistência a pessoas idosas e doentes. Uma coisa é fazer uma “visita de médico” em que, muitas vezes, não se gasta mais do que 15, 20 minutos. A outra é um “estágio” quando se cuida de alguém por um tempo prolongado.

Explico, porque foi o meu caso: sempre tive pruridos com o corpo, especialmente o alheio. No entanto, o envelhecimento de meus pais e a necessidade de serem atendidos em carências básicas, como troca fraldas, cuidar feridas, vômito... dão outra noção à palavra “cuidar”. Particularmente quando se passam dias, muitas vezes meses e anos, em que as mesmas atividades se repetem, necessitando readequar a própria vida para a nova realidade. Aí sim, se aprende o que é “cuidar”, no sentido mais pleno da caridade.

Quem não aprendeu a valorizar a própria vida e a do outro nunca vai ser capaz de cuidar. Pode, em algumas situações, imaginar que é uma “autoridade” superior com a qual nada vai acontecer e da qual dependem os demais. Tratar de pessoas nunca é fácil, mas há um olhar de simpatia e empatia que faz a diferença de quem assume a função pública, lembrando que se responsabiliza por mais “familiares”, porque ali estão idosos, adultos, jovens e crianças que deveriam ver na farda a segurança da qual estão carentes.

Em muitas instâncias de formação se percebe o discurso fácil das teorias sobre cuidados sem que se veja a prática do pregador. Era uma das minhas questões básicas em sala de aula: “qual é a atitude de caridade prática que hoje fazes com quem está contigo no teu grupo, teus familiares e vizinhança?” Quem não percebe que é preciso ser “bom” primeiro com quem está mais próximo não vai aprender a se comportar de tal maneira que evite gestos agressivos, que muitas vezes fogem ao controle e acabam em morte...

A Brigada investiga o básico: fugiram ao protocolo de liberar ou recolher à delegacia. “Deram carona” até o lugar onde o corpo foi encontrado. Como assim? Seria diferente se os agentes tivessem aprendido a cuidar um doente, acompanhar uma criança na rua, orientar um idoso, conviver com situações em que se tornam arrimo... Quem, hoje, pede justiça não estaria assustada tendo a violência como uma sombra que não ronda apenas os recantos marginais dos becos e vilas, mas também quem deveria zelar pela paz...

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