terça-feira, 28 de junho de 2022

Por uma cultura da solidariedade


Ryan tinha 6 anos quando a história começa. É possível que você já a ouviu, mas vamos lá: na sala de aula, a professora falou sobre a situação em que viviam crianças na África. Ficou comovido ao saber que muitas morriam de sede. Quis saber quanto custaria levar água para a região. Soube que Organizações Não Governamentais (ONGs) conseguiam por 70 dólares. Pediu aos pais, que disseram não terem condições de ajudá-lo, a não ser reduzindo gastos. Com as economias foi à sede da WaterCan para “comprar um poço”.

Teve uma notícia que faria qualquer um desistir: eram necessários 2 mil dólares para concretizar o objetivo. O menino não desistiu e passou a trabalhar para vizinhos, sempre fazendo “propaganda”. Em 1999, uma vila ao norte de Uganda recebeu o primeiro poço. Iniciou trabalho que não parou mais. Convenceu os pais a visitar o povoado. Recebido com festa, percebeu que as pessoas o chamavam pelo nome. Perguntou o porquê e descobriu que num raio de 100 quilômetros o conheciam por seu ato humanitário.

Com 31 anos e centenas de poços abertos em muitas regiões da África, o canadense Ryan Hreljac estendeu seu trabalho, através de uma fundação, aos serviços sanitários, que chegam a mais de 700 mil pessoas. Contando assim, pode parecer uma “aventura” de menino que tomou gosto pela coisa e transformou num objetivo de vida. Mas não é. Para que uma criança faça certas opções, é necessário um referencial familiar e social que lhe dê sustentação. É o binômio mais importantes da formação: “valor e referência”.

No Brasil, se discute assistencialismo com o intuito de solidariedade. Verdade. Chegou-se ao ponto em que a pobreza e a miséria, de braços com a fome, não permitem ensinar a pescar para que o cidadão consiga o sustento. Bolsões de marginalizados clamam pelo atendimento do sopão, quentinhas, cestas básicas, o direito de dormir alimentado e não acordar de barriga vazia. São muitos os “ryans” que fazem o pouco possível sem esperar – como ele não esperava – repercussão do seu trabalho de formiguinha, na mídia.

Com a pobreza tornada endêmica, se vive num país de contradições. As maiores fortunas brasileiras aumentaram, assim como políticos fazem campanhas acenando com a possibilidade de a classe média manter a cabeça fora da... água. Depois de um período de controle, hoje, mesmo com a pandemia mostrando as garras, quem tem possibilidade de consumo não resiste e quer usufruir do seu quinhão. Um negacionismo disfarçado que aponta o dedo para as classes sociais mais desfavorecidas como responsáveis.

Mudanças sociais se deram quando “as classes médias” sentiram apertar o cerco. O cerco está formado com o desvio de função, por exemplo, no processo educacional, quando pais já não esperam conhecimento, mas alimentação na escola. Uma mãe dizia: “meu filho volta com fome da aula”. Uma família que está apenas sobrevivendo... A cultura da solidariedade é valor que tem sobrenome: consciência social, o cuidado pelo outro por não haver nenhuma justificativa para a perda da dignidade humana.

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