Ryan tinha 6 anos quando a história começa. É possível que você já a ouviu, mas vamos lá: na sala de aula, a professora falou sobre a situação em que viviam crianças na África. Ficou comovido ao saber que muitas morriam de sede. Quis saber quanto custaria levar água para a região. Soube que Organizações Não Governamentais (ONGs) conseguiam por 70 dólares. Pediu aos pais, que disseram não terem condições de ajudá-lo, a não ser reduzindo gastos. Com as economias foi à sede da WaterCan para “comprar um poço”.
Teve uma notícia que faria qualquer um desistir: eram
necessários 2 mil dólares para concretizar o objetivo. O menino não desistiu e
passou a trabalhar para vizinhos, sempre fazendo “propaganda”. Em 1999, uma vila
ao norte de Uganda recebeu o primeiro poço. Iniciou trabalho que não parou mais.
Convenceu os pais a visitar o povoado. Recebido com festa, percebeu que as
pessoas o chamavam pelo nome. Perguntou o porquê e descobriu que num raio de
100 quilômetros o conheciam por seu ato humanitário.
Com 31 anos e centenas de poços abertos em muitas regiões
da África, o canadense Ryan Hreljac
estendeu seu trabalho, através de uma fundação, aos serviços sanitários, que
chegam a mais de 700 mil pessoas. Contando assim, pode parecer uma “aventura”
de menino que tomou gosto pela coisa e transformou num objetivo de vida. Mas
não é. Para que uma criança faça certas opções, é necessário um referencial
familiar e social que lhe dê sustentação. É o binômio mais importantes da
formação: “valor e referência”.
No Brasil, se discute assistencialismo com o intuito de
solidariedade. Verdade. Chegou-se ao ponto em que a pobreza e a miséria, de
braços com a fome, não permitem ensinar a pescar para que o cidadão consiga o
sustento. Bolsões de marginalizados clamam pelo atendimento do sopão,
quentinhas, cestas básicas, o direito de dormir alimentado e não acordar de
barriga vazia. São muitos os “ryans” que fazem o pouco possível sem esperar –
como ele não esperava – repercussão do seu trabalho de formiguinha, na mídia.
Com a pobreza tornada endêmica, se vive num país de
contradições. As maiores fortunas brasileiras aumentaram, assim como políticos
fazem campanhas acenando com a possibilidade de a classe média manter a cabeça
fora da... água. Depois de um período de controle, hoje, mesmo com a pandemia
mostrando as garras, quem tem possibilidade de consumo não resiste e quer
usufruir do seu quinhão. Um negacionismo disfarçado que aponta o dedo para as
classes sociais mais desfavorecidas como responsáveis.
Mudanças sociais se deram quando “as classes médias”
sentiram apertar o cerco. O cerco está formado com o desvio de função, por
exemplo, no processo educacional, quando pais já não esperam conhecimento, mas
alimentação na escola. Uma mãe dizia: “meu filho volta com fome da aula”. Uma
família que está apenas sobrevivendo... A cultura da solidariedade é valor que
tem sobrenome: consciência social, o cuidado pelo outro por não haver nenhuma
justificativa para a perda da dignidade humana.
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