domingo, 12 de junho de 2022

A ternura do idoso e o rosto de Deus

Era criança e sempre me impressionaram os desenhos dos rostos de minhas avós – Jovita, por parte de mãe, e Saturna, por parte de pai. Não entendia (como não entendo hoje) de arte, mas admirava os sulcos que marcavam seus rostos. Eram, com certeza, etapas da história de mulheres pobres, num interior perdido, onde a rotina era, no dia a dia, de sol a sol, quebrada apenas pelos muitos sacrifícios que faziam ao atender a família, especialmente, marido e filhos. Não eram idosas (talvez na casa dos 60), mas já tinham o tempo do cansaço e de muitas tristezas entalhando recordações…

A mesma configuração do rosto é que tornava cada uma delas especiais por serem, literalmente, a “mãe da mãe” (ou do pai), com o carinho tão ao jeito de quem sente a ausência e quer compensar com sorrisos que acentuavam suas expressões. Provindo da imersão dos olhos, sinal de bondade, de acolhida, da mulher roceira que enxugava as mãos no avental e ajeitava os cabelos já presos num coque para nos receber num abraço. Pequenas em altura, mostravam-se gigantes em querer saber de tudo e de todos, já com o olhar atento ao fogão de lenha, pensando no que fariam para agradar.

Foi do que lembrei ao ouvir o papa falar na catequese da semana passada, ao citar a atriz Anna Magnani, que, comentando processos que retardam o envelhecimento, não “queria que suas rugas fossem tocadas, já que havia levado uma vida inteira para tê-las”. Francisco, um idoso de 85 anos, mostrou na reflexão que nossa cultura tem a tendência preocupante “para considerar o nascimento de um filho como uma simples questão de produção e reprodução biológica do ser humano e cultivam então o mito da juventude eterna com a obsessão desesperada da carne incorruptível”.

Uma frase marcante foi “a vida em nossa carne mortal é uma belíssima obra inacabada, como algumas obras de arte que, apesar de incompletas, possuem um fascínio único”. E argumenta que “a nossa vida aqui na terra é iniciação, e não consumação. A fé, que acolhe o anúncio evangélico do reino de Deus ao qual estamos destinados, nos torna capazes de ver os sinais de esperança nesta nova vida. A velhice é a condição na qual o milagre do nascimento do alto pode ser assimilado intimamente e tornar-se sinal de credibilidade para a humanidade”.

Para o homem e a mulher de fé, a velhice, agora prolongada, mas não qualificada, tem uma beleza única. O papa diz: “caminhamos rumo ao Eterno. Ninguém pode voltar a entrar no ventre da mãe, nem no seu substituto tecnológico e consumista. Isso seria triste, mesmo que fosse possível. O velho caminha para a frente, em direção ao destino, rumo ao céu de Deus. A velhice, por conseguinte, é um tempo especial para dissolver o futuro da ilusão tecnocrática de uma sobrevivência biológica e robótica, sobretudo porque se abre à ternura do útero criador e gerador de Deus.”

Chamou a atenção para “a ternura dos idosos”, especialmente quando se relacionam com os netos. Ajudam a compreender a própria ternura de Deus: “Deus é assim, sabe acariciar”. Convocou idosos a serem “mensageiros da ternura, da sabedoria de uma vida vivida… vamos em frente, olhemos para os idosos!” Assim como os próprios idosos, olhem para si. Peçam e se deem o respeito que merecem os cabelos brancos (ou embranquecendo) e as rugas que testemunham uma existência. As rugas das minhas avós, as minhas rugas, as rugas do papa, as suas rugas precisam de um sentido. Envelhecer com dignidade é se tornar o rosto de Deus diante de uma sociedade carente de ternura!

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