domingo, 26 de junho de 2022

A saudade da cerca do vizinho

Na segunda-feira, quando já se anunciava chuva para toda a semana, recolhia a roupa e a vizinha, a Nice, fazia o mesmo. Já conversando sobre a perspectiva do tempo e os ditos do pai, o seu Manoel, de que era “hora de recolher os mijados”. A vizinha levantou os olhos, como quem diz: “tem bastante”, com uma filhinha de quase um ano e mais a roupa do marido e do menino, agasalhos para cuidar e serviço não faltava. Por sobre os muros que cercam a minha casa, é possível ver, nos dias de sol ou de vento, “as bandeiras desfraldadas” pelos varais, até o último sol da tarde.

Em tempos passados, as cercas que delimitavam os terrenos eram, normalmente, baixas e frágeis. Mais a possibilidade de impedir que pequenos animais estragassem canteiros no pátio do que a segurança do patrimônio. Os portões de saída para a rua não eram trancados e, muitas vezes, nas idas e vindas dos moleques, eram apenas encostados, se não ficavam escancarados, com uma mãe gritando da cozinha: “fecha o portão!”, quando o garoto já ia bem distante, mais atento ao jogo de bolinha de gude, taco ou futebol que já ia começar no meio da rua, junto das valetas.

Seu Dário foi vizinho por longos anos. Havia sido proprietário do bar Internacional, na praça do Colono. Muitas vezes passei por ali, indo e vindo do Seminário. Pensava contente que era torcedor do Colorado, com o qual também me identificava. Fui descobrir, depois, que os motivos não eram futebolísticos, mas políticos que levaram a homenagear a “Internacional Socialista”, de cunho Comunista. Quando chegaram na Vila Silveira, gostava de espiar pela cerca e ver se o pai estava atendendo o bar e armazém, para uma boa conversa. Se a mãe estava atendendo, voltava para casa.

Me dei conta de que as mudanças diminuíram os lugares de conversas quando entendi as suas reclamações ao levantarmos os muros no entorno da casa. Durante um tempo, ouvi de familiares que sentia dificuldades de entender porque se construiu paredes que impediam de nos acompanhar no pátio, assim como o movimento do comércio. Era o fim de uma era quando até o padeiro entrava pelo corredor lateral da casa, no terreno do vizinho, e deixava o saco de pão pendurado na cerca, acordando meia vizinhança, sem que se incomodassem com o clássico: “olha o padeiro!”

Os pátios tinham uma divisão “administrativa”. A área da frente era controlada pela dona da casa, que fazia um jardim e pequenos canteiros de temperos. Muitos imóveis ficavam no meio do terreno. Então, a entrada já tinha também um bom número de árvores, especialmente frutíferas, e arbustos. A parte detrás era reservada para uma pequena horta, onde “se tinha de tudo um pouco”. Sem contar que era o lugar onde havia um cercado para a criação de galinhas e, às vezes, até de porcos. Em grande parte dos casos, uma tentativa de reproduzir o ambiente rural de onde vieram.

A “cerca do vizinho” não era apenas limite entre dois terrenos, mas lugar para interagir. Depois dos muros, vieram as grades, cercamento eletrônico e as casas ficaram pequenas fortalezas em busca da segurança e privacidade. Evoluímos? Será? Os antigos conhecidos não existem mais – seu Dário, dona Alda, dona Rita, entre outros... – e não se volta atrás para viver supostos “tempos bons”. Porém quando vejo moradores se preocupando com os outros, fazendo pequenos agrados, sei que derrubar os muros e as cercas não está em eliminar os elementos físicos, mas nos gestos de carinho que sempre aproximaram as pessoas e deixaram recordações que duram por toda uma vida.

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