Em tempos passados, as cercas que delimitavam os terrenos
eram, normalmente, baixas e frágeis. Mais a possibilidade de impedir que
pequenos animais estragassem canteiros no pátio do que a segurança do
patrimônio. Os portões de saída para a rua não eram trancados e, muitas vezes,
nas idas e vindas dos moleques, eram apenas encostados, se não ficavam
escancarados, com uma mãe gritando da cozinha: “fecha o portão!”, quando o
garoto já ia bem distante, mais atento ao jogo de bolinha de gude, taco ou
futebol que já ia começar no meio da rua, junto das valetas.
Seu Dário foi vizinho por longos anos. Havia sido proprietário
do bar Internacional, na praça do Colono. Muitas vezes passei por ali, indo e
vindo do Seminário. Pensava contente que era torcedor do Colorado, com o qual
também me identificava. Fui descobrir, depois, que os motivos não eram
futebolísticos, mas políticos que levaram a homenagear a “Internacional
Socialista”, de cunho Comunista. Quando chegaram na Vila Silveira, gostava de
espiar pela cerca e ver se o pai estava atendendo o bar e armazém, para uma boa
conversa. Se a mãe estava atendendo, voltava para casa.
Me dei conta de que as mudanças diminuíram os lugares de
conversas quando entendi as suas reclamações ao levantarmos os muros no entorno
da casa. Durante um tempo, ouvi de familiares que sentia dificuldades de
entender porque se construiu paredes que impediam de nos acompanhar no pátio,
assim como o movimento do comércio. Era o fim de uma era quando até o padeiro
entrava pelo corredor lateral da casa, no terreno do vizinho, e deixava o saco
de pão pendurado na cerca, acordando meia vizinhança, sem que se incomodassem
com o clássico: “olha o padeiro!”
Os pátios tinham uma divisão “administrativa”. A área da
frente era controlada pela dona da casa, que fazia um jardim e pequenos
canteiros de temperos. Muitos imóveis ficavam no meio do terreno. Então, a
entrada já tinha também um bom número de árvores, especialmente frutíferas, e
arbustos. A parte detrás era reservada para uma pequena horta, onde “se tinha
de tudo um pouco”. Sem contar que era o lugar onde havia um cercado para a
criação de galinhas e, às vezes, até de porcos. Em grande parte dos casos, uma
tentativa de reproduzir o ambiente rural de onde vieram.
A “cerca do vizinho” não era apenas limite entre dois
terrenos, mas lugar para interagir. Depois dos muros, vieram as grades,
cercamento eletrônico e as casas ficaram pequenas fortalezas em busca da
segurança e privacidade. Evoluímos? Será? Os antigos conhecidos não existem
mais – seu Dário, dona Alda, dona Rita, entre outros... – e não se volta atrás
para viver supostos “tempos bons”. Porém quando vejo moradores se preocupando
com os outros, fazendo pequenos agrados, sei que derrubar os muros e as cercas
não está em eliminar os elementos físicos, mas nos gestos de carinho que sempre
aproximaram as pessoas e deixaram recordações que duram por toda uma vida.
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