Na “baldeação” (sempre gostei desta palavra), tinha que se tomar outro ônibus daqueles que, pelo caminho, ia aceitando caixas com porquinhos e pintos; receber e entregar correspondência; passar e ouvir recados. Cada emissor ou destinatário fazia questão de subir a bordo e cumprimentar todos os “viventes” que não via há muito tempo e dar um minuto de prosa. Além de fazer o reconhecimento dos novos visitantes, sempre identificados pela origem: “mas não é o filho do fulano?”, “mas como cresceu!” e a gente já ficava se achando especial, porque estava se reencontrando com as origens.
Ao fim da tarde, desembarque nas Três Porteiras, sob o olhar curioso dos frequentadores do armazém do Antônio Mattos, de onde o pessoal vinha para a rua, aprumava a mão sobre os olhos para mirar melhor os viajantes. Ares e espaços conhecidos, percorridos de carroça ou a pé, tendo as araucárias como referências. Uma boa pernada até a porteira, velha conhecida, que servia de brincadeira cada vez que um de nós era escalado para abri-la, se pendurar e balançar no vai e vem, vendo a tia enxugar as mãos no avental e saber que a saudade seria sufocada por abraços e beijos.
Na casa do tio Ciano e da Tia Toninha, havia um moinho, movido por águas de um córrego. Um dos pontos nos fundos da casa - chamávamos de sanga - tinha múltiplas utilidades: o banho refrescante à tarde, colher e enterrar melancia na areia sob a água para resfriar e onde eram lavadas as roupas e, muitas vezes, nas pedras, colocadas para quarar. O passatempo era se catar todas as pedras possíveis e, num determinado ponto que não atrapalhasse, se construía uma represa que tornasse mais fundo o local de banho. No dia seguinte, pedras, madeiras e terra tinham sido levadas pela ação das águas…
Uma evolução foi quando o tio Graciano e a tia Dinoca construíram um açude para preservar as águas da chuva. Reserva para a plantação que ficava abaixo, assim como criadouro de peixes. Mas, também… um gostoso banho no que, para nós, era o mais próximo que conhecíamos de uma piscina. Em épocas de menos trabalho na lavoura, se passavam longos períodos desfrutando com a parentada que só se recolhia ao final do dia para tomar o chimarrão e sintonizar emissoras de rádio da capital ou de Canguçu, ouvir música tradicionalista e recados dados por parentes ou vizinhos.
Sangas, açudes e saudades… ouço as vozes e vejo tias e primas em afazeres domésticos. Do meu jeito atrapalhado, tento debulhar o milho e elas enchem o avental e percorrem o pátio espalhando para os animais… ou atrelar cavalos ao arado e seguir pela lavoura, revirando e renovando a terra, abrindo sulcos onde novas plantas prosperariam. Pedaços do passado, carregados de nostalgia, que o tempo enquadra nas gavetas da memória. Raízes da identidade, lugares que, de alguma forma, foram construindo nossas histórias e teceram as bagagens que levamos pela vida…
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