terça-feira, 2 de março de 2021

Colapso na saúde: a pedagogia da dor

Embora as autoridades públicas evitem criar pânico, deixando de utilizar a palavra “colapso”, a realidade evidencia que, se já não se chegou a este patamar, se está muito próximo. As regiões que ainda não atingiram 100% de ocupação dos leitos nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) aproximam-se perigosamente destes números. Indicando que é preciso tomar uma atitude mais incisiva, como a do governador Eduardo Leite, que anunciou, para esta semana, a bandeira preta (praticamente um lockdowm), sem a possibilidade da já duvidosa flexibilização.

De todos os setores, especialmente da economia, vieram as costumeiras críticas. Mas foi sintomático perceber que da área política se teve quase um suspiro de alívio, porque alguém bancou aquilo que a sociedade com mais informação e melhor preparada sabia há algum tempo que seria necessário. Infelizmente, manobras políticas e eleitorais, bem como maus exemplos de figuras públicas – vide Carnaval e eleições do ano passado – fizeram o prenúncio do quadro que, hoje, torna macabra estatística em que, de cada dez pessoas entubadas, seis não voltam para suas casas…

A própria flexibilização, que permite aos prefeitos, estando numa bandeira mais avançada, trabalhar com as liberdades da anterior, causou confusão na cabeça das pessoas. A pergunta que mais se ouvia era: “afinal, pra que serve uma classificação, se está se usando os critérios da outra?” Verdade, para o entendimento das pessoas mais simples causou perplexidade e dúvidas e, gradativamente, foram caindo na vala das coisas públicas sem sentido, que já se tem bastante no dia a dia.

Os prefeitos apostaram na negociação para ampliar o número de leitos, sem compreender (?) que tratavam das consequências e não da origem do problema. O anúncio de que fiscalizavam não é comprovado por parte das pessoas que tentou denunciar aglomerações e sequer foi ouvida. Estes ouvidos surdos estão estressando os profissionais que, em muitos casos, ultrapassam seus limites e levando a que as mortes comecem a acontecer às portas dos postos de atendimento e hospitais…

A advertência de Leite é para que se volte à consciência dos primeiros tempos da pandemia, quando as pessoas perceberam a gravidade do momento e, assustadas, queriam colaborar. Concordo, mas, passado um ano, isto já não é suficiente. O confronto de opinião entre presidente, governador e o prefeito de Porto Alegre, por exemplo, fizeram muitos desprezarem as normas e se julgar acima do bem e do mal. Momento propício e necessário para que quem tem a autoridade efetivamente a use.

O gargalo nos leitos demonstra o colapso do sistema de saúde, pressionando quem atende nas ruas até os profissionais das UTIs. As mortes cada vez mais próximas podem ser o elemento pedagógico que estava faltando, neste período de isolamento forçado. Sendo verdade que “a dor ensina a gemer”, já estamos sentindo a ausência de entes queridos que poderia ter sido poupados. Tornaram-se estatísticas, sacrificados no altar da indiferença, do descaso, da omissão e da incompetência…

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