domingo, 28 de março de 2021

Merenguinhos da saudade...

As grandes festas do calendário cristão são também grandes eventos familiares. Veja-se o Natal, que tem o maior apelo, especialmente pelo meio comercial, mas também a Páscoa, com os seus atrativos religiosos, de turismo e gastronomia. Nos dois casos, o grupo que ainda se abriga sob um mesmo teto deveria encontrar motivação para celebrar e comemorar os marcos mais importantes na vida de Jesus Cristo - nascimento, morte e ressurreição. Entre luzes, cores, comidas, presentes e abraços, o mistério do Deus que se faz menino e morre atraindo pela pregação do amor e da paz…

Não recordo a Páscoa nos tempos em que morávamos no interior de Canguçu. Depois dos quatro anos, em Pelotas, lembro da mãe e minha irmã mais velha tendo o maior cuidado para não quebrar a casca de um ovo. Depois, preparar guloseimas, especialmente amendoim doce, colocar dentro, cobrir o buraco com papel celofane, e pintar o lado de fora. Antes dos chocolates, vieram os ovos e coelhos de açúcar. Eram raros e degustados em partes, dava-se valor a cada pedaço. Meu pai trançava cestas de vime e a “barba de velho”, que dá nas árvores, era limpa e servia de caminha...

Numa ocasião, com tios em casa, inventaram de “tirar o aleluia”. Eu e meus irmãos ficamos apavorados pois se dizia que as crianças eram acordadas com uma surra de varinha de marmelo (minha mãe sempre tinha uma sobre o armário, que fazíamos desaparecer, mas se regenerava…). Não que fôssemos santos, mas a sua simples existência e exposição em ponto visível era alerta para não se pensar em alguma arte maior… A surra não aconteceu, mas diferente de tudo, pela madrugada, nos acordaram com os tios preparando churrasco na rua, em pleno sábado de aleluia.

Creio que desde que chegamos a Pelotas, minha família se integrou na paróquia Santa Teresinha (assim, com s minúsculo em Teresinha, porque o padre Roberto Oliveira da Silva dizia que era nome próprio). Na quinta-feira santa, havia a Missa do Lava Pés e, depois, a vigília por toda a noite e dia seguinte, até a cerimônia de morte de Jesus, às 15 horas. Os homens faziam o turno da madrugada. Num deles, meu pai me chamou em torno das 3 horas da manhã. Fomos, fizemos e voltamos. Até hoje não sei o que aconteceu e não lembro de nada, nem de quem estava lá…

Longas cerimônias, em que as crianças dormiam pelos bancos e muitas vezes quase caiam bêbadas de sono… também as procissões feitas na tarde de sexta-feira pelas ruas da vila, quando muitas famílias faziam nas janelas pequenos altares com seus santos de devoção, lindas toalhas, belos arranjos e uma profunda e sentida devoção… as representações feitas pelos jovens em estrados na frente da Igreja, momento em que cenas dos Evangelhos ganhavam vida em interpretações que ajudavam a compreender melhor o sentido de fazer memória da morte e ressurreição.

Na primeira vez em que entrei em um mercado e vi uma gôndola cheia de “merenguinhos” parei. Era quitute que se preparava para a festa da Páscoa. Precisava de muitos ovos do próprio galinheiro. Então, quantas galinhas para retirar clara suficiente para aquele amontoado de merengues? Merenguinhos da saudade… a inocência que fica pelo caminho. Infelizmente, perdeu-se a preocupação em acarinhar com detalhes. Tempos que nos amadureceram, fizeram felizes e deram sentido a que a gente se emocione ao dizer simplesmente: “uma feliz e abençoada Páscoa!”

Um comentário:

Olga disse...

Lindo trabalho, caro amigo! Eivado de inocência e doce saudade, me emociona. Bom demais! Grande abraço!