quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Simplesmente assim: Sublimar

Quando a ausência ainda machuca,

Quando a perda fere o peito,

Quando o olhar mareja sem razão,

É preciso compensar as dores que sufocam.

Sem esquecer, aceitar que a vida continua. 

Sublimar é a anestesia dos sentidos…

E o doce devaneio dos sentimentos!



terça-feira, 29 de outubro de 2024

Um dia a gente vai se reencontrar...

Éramos três sonhadores quando iniciamos o curso de Filosofia, no distante ano de 1976. Três calouros, seminaristas, estranhando o ambiente com alunas na Universidade Católica de Pelotas. Eu, mais o Pedro Bettin e o Gomercindo Ghiggi. Nas primeiras aulas, sempre se tinha receio dos trotes de calouros. Dos três, a única vítima acabou sendo o Gomercindo, que foi pintado, mas, que bem me lembre, não teve a cabeça raspada.

Lembrei deste bom tempo ao saber da morte do Gomercindo, aos 69 anos. Estava fora de Pelotas e comecei a receber mensagens cedo da manhã. Transbordaram as lembranças desde o nosso ingresso no seminário, nos tenros 12 anos, onde estudamos o equivalente ao primeiro e segundo grau. As aulas, quase que particulares, com tempo para estudar, cumprir tarefas na horta e arrumação da casa, assim como atividades esportivas, culturais e religiosas. 

Findava a década e, já acabando os cursos nas faculdades, tomamos rumos diferentes. O Pedro ainda fez mais quatro anos de Teologia e faleceu no ano em que iria ser ordenado padre. E o Ghiggi, agora. Acompanhei à distância seu trabalho de educador que, ainda no seminário, por inspiração do presbítero Cláudio Neutzling, sempre teve uma forte conotação social. Inicialmente, com atuação na comunidade católica do Pestano, em Pelotas, época em que se formavam as primeiras comunidades eclesiais de base.

O reencontrei algumas vezes em atividades da Igreja Católica. Participava da vida em comunidade e também gostava do canto coral. Em outros tempos também apreciava jogar futebol, ao estilo dos melhores zagueiros de então, que definiam ser, "abaixo do pescoço, tudo é canela". O Seminário tinha um bom campo de futebol e não importava se era uma pelada de um jogo como atividade física ou uma disputa com os freis, juvenis do Brasil ou do Pelotas, o assunto era debatido em detalhes e com paixão por muito tempo...

O Gomercindo constituiu família e tomou seu rumo. Infelizmente, a ausência é sempre o sentimento de que algo (ou alguém) vai fazer falta. Vivemos um tempo especial por mais de dez anos que marcaram as nossas vidas. Porém, é necessário continuar, com a impressão de que se poderia ter feito diferente, mas não se fez... quem sabe, conviver mais. Não existe compensação pelo tempo que vai passando e quando nos damos conta a vida também passou. Creio que meus dois colegas agora convivem com os padres Guerino, Olavo e Cláudio Neutzling. A esperança é que um dia a gente consiga se reencontrar…


domingo, 27 de outubro de 2024

Sonhos que cabem num par de tamancos

Quantos anos tinha quando trocaram

Meus tamanquinhos pelos chinelos de dedo?

Eram tenros anos

Em que o sapatinho de ir à escola,

No final da manhã, 

Ao retornar à casa,

Era trocado pelo calçado caseiro,

Que esperava na porta da cozinha. 


Um ritual de saudades,

Impregnado de memórias 

Onde imperava a simplicidade.

Nunca me pareceram desajeitados

Para o que fosse necessário,

Nas atividades de estudar ou ajudar na casa

Ou brincando pelo que era o início da minha rua,

Ainda rodeada de matos,

Pequenos sítios e campinhos,

Predominando maricás e gravatás.


Talvez, por desconhecimento de outros calçados,

Sempre pareceram cômodos, 

Marcando os passos no piso de madeira. 

A plataforma recoberta por uma tira de couro

Fazia o tic-tac que, se para uns irritava,

Para nós soava como música. 

Os pés sem meias no verão 

Eram protegidos e aconchegados no inverno. 


Andando na poeira das ruas

Ou no barro das estradas,

Não importava. 

Eram os rumos dos sonhos.

Tudo era possibilidade,

No aconchego e segurança de uma família.

Andávamos nas nuvens, 

Na pobreza de quem pensava que tinha

Uma fortuna nos pés. 


A impressão é de que se 

Perdeu alguma coisa pelo caminho.

Um mundo de possibilidades 

Não significa um mundo de felicidades.

A simplicidade das roupas repetidas

E dos calçados que precisavam durar

Guardavam a doçura de uma vida plena:

Sem precisar saber, se vivia em

Um universo de afetos em que 

A razão do amor era o próprio amor,

E os sonhos cabiam perfeitamente

Num par de tamancos…


sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Percorrendo as brumas da madrugada

Quando o sono me esquece ou demora,

Faço vigília, peregrinando pela noite, 

Perdendo-me no silêncio da madrugada.

As ruas vazias,

Os becos com seus recantos escondidos,

O horizonte toldado pelo breu.

Não sei aonde os passos me levam.  

Também, não importa, 

Vago por memórias e saudades. 


Vultos perdidos perambulam

Por sob as luminárias que jogam luz

Sobre pequenos espaços. 

Um bêbado trança as pernas,

Na segurança próxima de uma parede;

O casal surge do nada trocando 

sorrisos misteriosos e cumplicidade;

Há quem apresse o passo,

Querendo chegar ao aconchego do lar.


A madrugada é a catedral 

Que salpica o chão de estrelas. 

Cintilando, recobre o átrio 

Em que as preces são mais lentas.

Serenas, na certeza de que

O homem já não têm pressa

E Deus sorri abrindo caminhos:

As portas para todas as incertezas.


A noite adensa quando avança.

As horas em que se esquecem os limites,

Apenas no aqui e agora, 

Na justeza do tempo que 

Carece de significados profundos.

O momento presente em que

A felicidade precisa de uma oportunidade

Para ser compreendida.  


A madrugada é a possibilidade dos

Amantes, dos desesperançados,  

Daqueles que agonizam na solidão. 

Resume a duração da existência,

Possibilitando momentos de silêncio,

No limite da sanidade.

A perspectiva que abala convicções,

Acenando com a bruma do que vara

A realidade para estar próximo do sonho…


quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Simplesmente assim: Catedral

A nave da igreja imersa na penumbra.

As imagens repousam nos seus nichos e

Desaceleram a pressa do dia a dia.

Apenas a lamparina do Sacrário acesa,

À distância, na imersão do Mistério.

A sublime sensação de que viver é mais

Do que apenas e tão somente o existir.



terça-feira, 22 de outubro de 2024

“Amar como Jesus amou”

O sínodo dos bispos da Igreja Católica, que se realiza no Vaticano, confirma que a instituição não anda no relógio da sociedade. Isto é: necessita de mais tempo para assimilar e vivenciar as mudanças, em todos os sentidos. Precisa de homens como o papa Francisco que tenha coragem, como dizia dom Jayme Chemello, de "segurar os que avançam demais e apressar os mais lerdos".

Infelizmente, na polarização que nos assola, o que se vê é que nem os mais apressadinhos têm paciência de esperar, assim como os mais lentos querem sair do seu empacamento. Ainda mais: há um grupo significativo que gostaria de vê-la estacionária no tempo ou até retrocedendo. O encontro de prelados do mundo inteiro é um alento em tempos sombrios para a Igreja Católica. Um instrumento que deve ajudar o pontífice a alargar a capacidade da sua congregação de reencontrar o caminho que a reaproxime da sociedade.

Enquanto se discutem - e se atrapalham - com temas realmente importantes, como o diaconato para mulheres e a questão homossexual, comete-se um triste jogo de palavras que desidrata sentimentos e ações como o amor, a caridade e a missionariedade. O disfarce vem pelas construções intelectuais e dos dicionários que escanteou seu real significado: gestos capazes de encarná-los na realidade, o básico do relacionamento humano que é cuidar, especialmente, de quem mais precisa.

Os homens que comandam a igreja Católica, consciente ou inconscientemente, têm uma cultura machista, muitas vezes disfarçada de tolerância e suposta humildade. A sublimação da realidade é feita com discursos, muitas palavras encantadoras, que escondem a ausência de uma real presença na vida da população, que acontece pelas ruas e becos da cidade. Sobrepõe-se ao convívio social um ritualismo que deveria ser consequência de uma vivência comunitária.

"Amar como Jesus amou", cantava o padre Zezinho. Já perguntei para muitos religiosos como "amavam, exerciam a caridade e a missionariedade". Raras vezes recebi resposta que não fosse genérica e fruto de "estudos profundos" daqueles que desidratam a própria vida. Em qualquer idade, sempre é tempo de conversão a “amar como Jesus amou”. Para nós, os mais velhos, tempo de superar o encantamento com a própria voz e aquilo que se escreveu. Aprender a ouvir mais, sorrir mais e, quem sabe, perguntar se, neste momento, o que minha igreja precisa não é de alguém que ajude a descascar batatas, ralar cenoura ou apenas varrer o lugar comum a todos nós...


domingo, 20 de outubro de 2024

Antes que o sol se ponha

Se puderes, 

Volta antes que o sol se ponha. 

Vou estar sentado na areia,

Como nas muitas vezes

Em que acalentei tuas lembranças.

Se notares que estou

Perdido em pensamentos,

Aconchega-te ao meu lado,

Me envolve no teu abraço 

E debruça tua cabeça em meu ombro.


A espera do que sempre 

Foi sedução no entardecer. 

No instante em que 

O sol faz a derradeira curva nos céus.

Mesmo que não digas nada,

Ainda ouço o murmúrio da tua voz.

Misturando-se com 

A delicadeza das ondas, 

Que rastejam aos nossos pés, 

Sussurrando juras e beijando a areia.


Somos testemunhas

Dos derradeiros raios que agonizam,

Esmaecendo o horizonte,

Num misto de melancolia e admiração.

No silêncio aspergido pelo derradeiro

Grasnar das gaivotas 

Que mergulham em busca da vida. 


Ao longo da praia, 

Fiéis seguidores reverenciam

O ritual que se repete todos os dias.

E, mesmo assim, faz-se novo,

Na dança das luzes, das cores

E no contraste com o breu da noite,

Que emoldura o cenário.

Sentirás, como em prece,

O murmúrio do vento,

Harmonizando as mentes e 

Energizando o Universo.


Quando a noite definha 

A última linha entre o céu e o mar,

Vence o tempo da espera:

Um novo entardecer é possível. 

A vida, cumprindo ciclos:

Amena, na claridade do dia,

Sentida e dolorida, 

Ao ser saudade e melancolia,

Na calada da noite…


sexta-feira, 18 de outubro de 2024

A estrada e o caminho dos sonhos

Me Confundo com a estrada 

Que avança à frente. 

São quilômetros rodados.

Um lugar de chegada ou, apenas,

O desejo de encontrar um horizonte.


Uma via de asfalto é, quase sempre, retilínea.

Motivo para que me perca em pensamentos,

Deixando voar a imaginação. 

Ou é de chão batido, irregular,

Pedindo atenção para cada curva,

Nas árvores que se espreguiçam por sobre a via

Ou juntam a frondosidade no aconchego de 

Um túnel verde escurecido e tépido.


Atentar à estrada 

Exige a persistência que já não tenho.

Mesmo as nuvens de uma tarde de primavera 

Brincam nos céus, desenhando formas, 

E me vejo distraído tentando compreendê-las.

Cativam-me pelas

Matizes da alvura e dos diversos tons de cinza,

Em que se alinham e se cruzam,

Anestesiando meus olhos e a minha solidão. 


Quando chega a tardinha, 

Os carros voltam

Num zumbido e nas luzes que têm 

O gosto da dormência.

Abafam outros sons e adormecem os sentidos,

Cortam cidades e as aproximam.


A estrada é o caminho dos sonhos.

Indiferentes ao que pensam e planejam os homens.

Transportam momentos felizes e tristezas.

A estrada te abre horizontes, mesmo 

Nos túneis em que se penetra as entranhas da terra.

Ainda, a distância, te indica as montanhas,

Imaginando as trilhas que levam ao topo. 

E, chegando lá,

O enigma do que descortinas no horizonte.


Quando se protege os olhos e mira a distância, 

O olhar abarca perspectivas e possibilidades. 

Quer seja

Ao pé de uma igrejinha no sopé da colina

Ou na faixa de pedestres em frente a uma escola. 

Reúne as energias de quem procura por Deus

Ou apenas anseia por se encontrar 

Na humanidade de cada um de nós!


quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Simplesmente assim: Imprecisão

Confundem-se as imagens ao largo.

Difícil saber onde inicia a terra, os céus 

E até onde avançam as águas. 

Esmaecido, o contorno dos morros 

Imprecisa o entardecer.

As garças desistem do seu voo,

Enquanto a natureza geme pelo sol…


terça-feira, 15 de outubro de 2024

Eleições municipais: entre o discurso e a prática

Não pude votar no primeiro turno das eleições municipais, no dia 6 de outubro. Estava em viagem. Dentro do ônibus, acompanhei as coberturas feitas pela internet. Senti-me estranho. Chegando aos 70 anos, tendo iniciado com 18 a votar, foi a primeira vez que me ausentei das cabines eleitorais. Cumpro este dever no colégio Santo Antônio, em Pelotas, avenida Fernando Osório com Santa Clara. Pensei nos votos dados desde que me “conheço por gente”, as vezes em que me alegrei e as muitas em que me decepcionei.

Nas nominatas, fiquei feliz vendo amigos e conhecidos se candidatando a vereador ou a prefeito. Admiro quem tomou tal decisão. Parabéns. Podem ter certeza, para mim não importa por qual foi o partido que se candidataram. Cumpriram com o seu dever e papel de cidadão, independente da ideologia que defendem. Qual o seu grau de consciência política? Isto eu não sei, o que sei é que, através das muitas eleições, muitas vezes, as decepções vieram com aqueles que, pelo discurso, pareciam ter as propostas certas, mas, na prática…

Mas está bem. Paciência. Como se diz no futebol: é bola ao centro e reiniciar a partida. Para quem foi às urnas, é bom saber, que o eleito deve estar preparado não para ser um despachante de luxo, encarregado de cuidar de necessidades individuais dos eleitores, mas fiscalizar o Poder Executivo, especialmente em relação ao cumprimento das leis e da boa aplicação e administração do dinheiro público. Muitos vereadores se deram conta de que, para fazer isto, precisam encontrar formas de tornar transparentes os seus mandatos.

É isto mesmo que se cobra de quem foi eleito, por ser agora um representante de toda a população do município. Especialmente para canalizar as reivindicações comunitárias, aquelas que representam uma parcela maior das comunidades e dos grupos organizados. Mesmo assim, fico com a impressão de que foi uma eleição morna. Não empolgou, sequer a militância. Motivo pelo qual, defendo a alternância de governos, para que se conheça melhor as possibilidades, às vezes tendo que se optar pelo menos pior.

Peço desculpas por não participar de grupos de WhatsApp, especialmente de candidatos. Não tenho nada contra qualquer um deles. Foi decisão pessoal de não me envolver diretamente. Para o segundo turno, o foco fica mais ajustado, sem a dispersão do primeiro. Então, atente. Pelotas, especialmente, vive uma situação difícil no atendimento básico das necessidades da população. Então, não brinque com o seu voto. Vou dar o meu, para saber quem receberá a chave do cofre do município e vai cuidar de uma cidade que já anda mal das pernas…


domingo, 13 de outubro de 2024

Tem cheiro de primavera no ar

É preciso a poda, para o galho rejuvenescer.

É preciso a noite, para que os brotos se formem

E debutem à luz do amanhecer.

É preciso o jardim, para que as flores 

Liberem suas cores

Na magia em que se multiplicam as nuances.

É preciso o perfume da manhã, para que 

O dia comece mais cedo

E a claridade transforme 

Os céus num imenso espelho azul.

 

É quando se sente o cheiro de primavera no ar.

Ao retornar, 

Tem a marca do tempo que se renova.

Há um sorriso que brinca pelos olhos

E transborda pelos lábios.

O sentimento de que se pode ser feliz,

Bastando seguir o rumo da estação.

Onde até mesmo os sentimentos

Rejuvenescem com o bálsamo

Que faz as feridas cicatrizarem por magia.

 

Faz com que o ar exale o perfume 

Que emana da mãe Natureza.

O privilégio de poder

Reservar um tempo para

Namorar a floração fugaz do ipê,

Torcendo para que os ventos esperem.

Encantar-se quando os botões

Fazem companhia às flores das orquídeas.

Esperar com ansiedade

Pelo tempo de plantar as mudas de onze-horas.

 

Semeia no peito de quem ama

O encanto que fascina.

Emerge dos frios do outono e do inverno

Para os tépidos momentos da primavera e do verão.

A música, que aguarda pacientemente, não fenece.

Espera por um momento de inspiração.

Quando as pessoas querem estar mais próximas,

Sem que se precise de motivo para rir e brincar...

Apenas - e tão somente - amar!

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Uma janela aberta para o passado

Não tenhas medo de descerrar

As janelas da memória.

É a possibilidade de revisitar o passado.

Muitas vezes, pode estar adormecido,

Mas jamais esquecido.

As brumas que toldam a visão 

Abrem uma brecha que

Permite uma nesga de luz 

Sobre o caminho das muitas saudades.


Revisitar outros tempos

Acarinha a própria alma.

As memórias que surgem diante de cada um, 

Mesmo que não se possa ali permanecer,

Faz o corpo libertar o coração, 

Peregrine por lugares por onde andaste,

Desejando debruçar-se 

Sobre o peitoral da janela e contemplar 

A rua onde transita a história de cada um.


Atenta o olhar e todos os teus sentimentos.

Sentirás o desabrochar das flores, na primavera;

Teus olhos embaçados revendo

As brincadeiras de crianças na rua, no verão;

Acompanhar com tristeza 

As folhas bailando ao sabor da brisa, no outono;

E te recolher ao silêncio 

Ao te arrepiares com o uivo do vento, 

Que fustiga no inverno...


Uma janela aberta para o passado 

Testemunhou tua partida.

Pela porta entreaberta

Ficaram as possibilidades e os anseios.

Ali, cravejadas no marco de madeira,

Ficaram marcadas as muitas andanças.

Assim como todas as vezes em que 

O regresso ficou para depois.


De algum lugar, com o signo da saudade,

O desejo de sentar naquele mesmo degrau

E contemplar o que, então, eram apenas expectativas.

Ainda procuro pela casa algum resquício 

Imaginando ouvir a tua voz;

Quando chegavas em casa, saber que eram

Teus passos cadenciados na escada;

Nas rodas, com amigos ou a família, 

A sonoridade do riso ecoando ao longe.


Já não importa para onde se abrem as janelas...  

Desgastadas, rangem quando aparece uma fresta.

O tempo… brincando. 

O que se viveu escorre pelos dedos

Com a lágrima que sela a finitude 

E o nó que fica trancado na garganta!


quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Simplesmente assim: Poesie-se

 Bom-dia!

Simplesmente assim:

Um novo projeto com textos curtos. Não tenho pretensão de que sejam haikais para não ofender aos orientais. Pequenas e densas mensagens. Comentem, por favor.



terça-feira, 8 de outubro de 2024

O canto da sereia nas apostas online

As apostas online, que pareciam uma brincadeira sem consequências, viraram uma epidemia nacional e já levaram 1,3 milhão de brasileiros à inadimplência. Enquanto o governo punha o olho nos impostos que poderiam ser arrecadados, deixou de lado um grave efeito colateral: um sonho que, na maior parte das vezes, vira pesadelo. Em especial para a população mais pobre, com pouca ou nenhuma educação financeira. Encantada com a possibilidade de resolver problemas com dinheiro “fácil”, num lance de sorte.

O canto da sereia veio pela facilidade e o baixo custo, que "convencem" de que não vai prejudicar em nada o orçamento familiar. Não é verdade… os números mostram que esta população já estava com a água pelo nariz e agora transbordou. Rosane de Oliveira, num texto no jornal Zero Hora, diz que o “governo do presidente Lula demorou para descobrir o que parecia óbvio aos olhos de qualquer um que não tenha interesses envolvidos na jogatina em que o Brasil se transformou nos últimos meses”. 

Uma febre de jogos incentivados por anúncios publicitários, especialmente na televisão, insistentemente repetidos. Estudos, tanto do governo, institutos, quanto de universidades, demonstram que as chamadas “bets” (apostas) não são tão lúdicas quanto é apresentado, mas virou um problema de alcance nacional. Além do endividamento, tirou dinheiro de circulação, especialmente, reduzindo o consumo de bens e serviços. Sem contar que, para muitos, já virou um vício nas apostas esportivas, facilitadas pelo celular.

As “bets”, na verdade, transformaram-se num problema nacional, pelo endividamento das famílias e a dependência, com influência na saúde física e emocional. Quando alguém tenta a sorte em jogos de azar, aumenta a possibilidade de se criar uma legião de viciados a se iludir com a facilidade de uma suposta solução financeira. Agora, o governo se manifesta dizendo que considera “uma pandemia de apostas online” e elabora um mecanismo que tenta monitorar o endividamento das famílias nos jogos online.

Para quem tem a memória curta, é bom lembrar que o “jogo do bicho”, por exemplo, continua proibido e, mesmo assim, o país está se transformado num cassino virtual. As denúncias e prisões recentes mostraram a ponta do iceberg. O capital que circula em tentativas online drena parte dos recursos da população, mas também serve (como foi comprovado) para a lavagem de dinheiro. Já vimos este filme: tudo o que é oferecido como sendo muito fácil esconde a possibilidade de se transformar num abismo de aflições…


domingo, 6 de outubro de 2024

O brilho que amanhece num olhar

Um olhar perdido, 

Muitas vezes sem nem mesmo saber o motivo,

Sempre tem o seu brilho esmaecido.

Cansado do muito que viu,

Pode estar energizado como um substantivo,

Carregado das possibilidades de um verbo,

Ou conter a doçura de um adjetivo,

Que, mesmo assim, está fenecendo…

 

O brilho que transparece num olhar

Carrega uma história:

A confiança dos primeiros anos de vida,

As alegrias da infância,

O encantamento da juventude,

A busca pelas certezas na idade adulta,

E a serenidade do tempo que avança...

 

Muitas vezes,

Quer apenas fechá-los por um instante.

O tempo suficiente para serenar seu espírito,

Reenergizar, para aceitar

Que já não alcança tudo aquilo que desejou.

O momento da vida em que se precisa

Selecionar quem ainda é capaz de 

Espantar as cinzas que se acumularam,

Emergindo o brilho que já parecia extinto.

 

Não nega um olhar a quem parece ter desistido.

É como assoprar a fagulha que cintila

Em meio às lenhas.

No crepitar de um graveto que bruxuleia,

Tomando forma, intensificando-se,

Até perceberes que te envolve,

Demorada, carinhosa, como se fosse um abraço…

 

O calor que amanhece num olhar

Carrega possibilidades e esperanças.

Perder o brilho é a dor lancinante de 

Quem viveu a descrença e

Não sente o gosto e o sentido pela vida.

A aurora que não se importa com 

O tempo passando, 

Pois, simplesmente, 

Precisa dos primeiros raios de Sol

Para deixar as sombras para trás e 

Caminhar no rumo da sua própria luz…


sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Ergue os olhos, Francisco!

Ergue os olhos, Francisco.

A multidão que te acompanha, 

Por onde peregrinas, 

Tem no olhar a carência das

Ovelhas que já não encontram pastores.

Pelas ruas e estradas, esperando por ti,

Acena para chamar a atenção.

Não precisas erguer-te de tua cadeira de rodas,

Sequer abandonar o carro onde viajas.


Contenta-se em que

Sorrias, acenes, abençoes.

Sem importar a raça, a crença ou a ideologia,

Está sedenta que seja

Aspergida pela graça de Deus.

Sente-se cansada, judiada e entristecida.

Quando não conseguires mais falar,

Ou se tua voz ficar embargada,

Ainda assim, 

Mesmo que seja apenas por um olhar, 

Não desiste de quem te foi confiado…


Um mar de gente, sedento,

Vai direcionar teu olhar para os Céus.

Não espera que apresente espetáculo. 

Por onde passas, 

Do meio de quem vem de todos os povos,

Há um rastilho de tristezas

Com as quais os sobrecarregam. 

No entanto, sentem em ti 

A esperança que ainda pode ser cultivada.


Envolvida pelo teu carinho

E por um coração aberto que 

Não faz distinção de quem acolhe.

Os iluminados para quem falas

Não te prestam atenção, 

Mais preocupados com 

Suas vaidades e anseios de poder.

Os mais simples, os andarilhos da vida,

Aqueles que te abraçam de longe,

Bebem dos teus lábios.


Certamente,

Não entendem tudo o que dizes.

Mas isto não importa. 

Para eles, és um homem bom, 

Um santo homem!

Que a estrada da paz judiou de todas as formas,

Para quem até teus pares viraram as costas.

Mas que insiste em ainda 

Lhes alcançar alento, a mão estendida, 

Na mais pura e terna expressão de zelo e amizade…


terça-feira, 1 de outubro de 2024

Sala de aula é para viver a educação

O governo federal prepara legislação que discipline o uso do telefone celular nos ambientes educacionais. Não se nega o uso de internet e das novas tecnologias. Claro que é motivo de discussão, opondo quem julga ser intromissão indevida e quem vive na carne a dificuldade de manter crianças, adolescentes e, mesmo adultos, concentrados na aprendizagem. Meus parâmetros remontam ao tempo em que me aposentei na Escola de Comunicação da UCPel.

O problema já se fazia presente. Ao iniciar minhas atividades, no começo da década de 90 do século passado, cerca de 70% dos alunos prestavam atenção nos conteúdos em sala de aula e 30% mais ou menos. 20 anos depois, quando finalmente deixei os bancos escolares, era visível que 30% apresentava alguma atenção, enquanto 70% não “estava nem aí”... Além de outras questões, um dos responsáveis já era o aparelho celular que, na época, se popularizou.

Muitos alunos atentavam mais para seus aparelhos do que para os conteúdos apresentados pelo professor. Infelizmente, os que assim procediam não se contentavam em se distrair e quase sempre atraiam um grupo (no fundo da sala…) acessando redes sociais e outros vídeos. Sem evitar risos e olhares de desafio. A discussão iniciava, ainda encantados com as possibilidades, mas era preciso aprender que a sala de aula é para viver a educação e não a diversão e distração.

A proibição, inclusive no recreio, tem a ver com um dos problemas do nosso tempo: a interação social. Pais educadores sabem o que o celular distrai e ajuda a levar ao individualismo. Pressupor que as escolas e municípios terão mais “autoridade moral” para decidir é falácia. Por estarem mais próximos, são propensos a pressões indevidas. Já foram feitas experiências de restrição do uso, com bons resultados, e por “n” interesses, a liberação, num retrocesso que piora a situação.

Leva-se tempo para preparar um bom professor. Desgasta ver que pais que não souberam dar princípios educacionais básicos, como o respeito e a disciplina, achem-se no direito de ensinar “premissas pedagógicas”. Em alguns casos, com pressão psicológica e financeira, infelizmente, com a cumplicidade de certas direções de escolas. Professor, aluno e a sala de aula. A essência de um tempo de viver feliz, dimensionando o mais importante: a integralidade do ser humano!