domingo, 21 de fevereiro de 2021

Jovita e Saturna: o consolo e a ausência

Quando saímos de Canguçu e viemos para Pelotas, nos meus tenros quatro anos - ainda não haviam chegado os anos 60 - e deixar o interior era uma aventura que nem meus pais – seu Manoel e dona França – tinham a dimensão do que viria pela frente. Nos primeiros anos, a saudade somente era diminuída pelas raras visitas – de ônibus, saíamos de madrugada para chegar lá pela tarde – ou quando apertavam um pouco o orçamento para que um deles voltasse a visitar irmãos, sobrinhos e pais. A mãe a caminho do interior de Canguçu. O pai em direção, então, do interior de Camaquã.

Foi quando passei a ouvir, nas suas lembranças, de coisas que haviam acontecido no “Passo do Sapato”. Como não era uma referência geográfica para mim, fiquei pensando em como podia acontecer tantas coisas perto de um “sapato” (calçado). Até que numa ida à casa de minha avó materna, Saturna, percorri a estrada e atravessei o arroio do Sapato, com a ponte instalada, o pai contando que antes a travessia era feita de balsa e, nas cheias de inverno, o trânsito se tornava muito difícil, impedindo a circulação pelo interior da região que agora pertence ao município de Cristal.

Das muitas e boas lembranças, ir para a casa da vó Saturna era uma festa. Recebidos com carinho por ela e pelo tio Djalma, um solteirão (isto já é mal de família – mas se regenerou e casou com a Dorinha), dispostos a esquecerem tudo para tratar bem as visitas. Ao lado da casa, um lugar sagrado era o jardim da vó. Merecia um passeio especial para que pudesse falar e mostrar novas plantas. A gurizada se fartava correndo e brincando, andando a cavalo... O mesmo não sentiam as meninas que diziam: “a vó gosta mais dos meninos do que de nós!” Dores de cotovelo infanto/juvenis!

Uma boa lembrança era, em dias muito quente, tomar banho nas praias do rio Camaquã. Nunca aprendi a nadar, mesmo que meu pai fosse muito bom, inclusive em boiar, que dizia ter aprendido no quartel. Pequenos, nossa diversão era, enquanto boiava, ficarmos sentados sobre sua barriga que fazia as vezes de “barco”. Naqueles rincões perdidos, eram espaços reservados para poucos, onde a natureza ainda propiciava sombras, com árvores jogando seus galhos por sobre as margens, em trampolins de onde os mais aventureiros se jogavam para seus mergulhos.

Os passeios com a mãe não tinham aventuras nas águas. Mas havia mais gente: além da vó Jovita, que morava com a tia Ester (solteirona. Esta, sim, por toda a vida), os tios Ciano, Marico, Graciano e outros parentes. Atravessar lavouras podia levar para outras casas ou para um oásis numa baixada onde a tia Ester mantinha, perto da cacimba, verdes e flores. Foi o lugar onde mais vi samambaias e avencas! O ar fresco propiciado pelo veio de água era suficiente para se transformar num arvoredo acolhedor para pessoas e pássaros: o primeiro santuário da Natureza que a vida me mostrou…

Meus avôs morreram cedo e não convivi com eles. Minhas avós, um pouco mais, e, enquanto viveram, continuaram a ser elementos agregadores. Periodicamente, se percorriam estradas difíceis e, na maior parte das vezes, mal conservadas, para revê-las. A despedida era sempre à frente das casas, quando algum dos tios ou primos davam carona de carroça para chegarmos ao armazém do Antônio Matos (Canguçu) ou ao Grill (Cristal) e pegar a condução de retorno para casa. Em meio a sorrisos e brincadeiras, sempre havia uma lágrima desenhando o mapa da saudade… Que perdura e aumenta a sensação de que as lembranças podem ser um consolo, mas não compensam a ausência…

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