terça-feira, 29 de dezembro de 2020

"Te cuida”: tempo de amar à distância

A última semana de 2020 vem carregada de preocupações. Sem entrar em detalhes, tudo indica que os primeiros meses do ano novo serão ainda mais difíceis e, na iminência do início da vacinação (sabendo que seu efeito demora em torno de um mês: primeira dose, segunda, e oito dias para dar resultados), acontecem duas grandes festas populares que levam milhares de pessoas para as ruas, ambiente propício para a contaminação. Quando o álcool e a euforia fazem com que se despreze os protocolos básicos que, por enquanto, é tudo o que se sabe que pode surtir efeito preventivo.

Curioso que, na virada do ano, o que mais se deseja é “saúde e paz”, completando: “o resto a gente corre atrás!” No entanto, como alerta uma das muitas campanhas de conscientização: “basta um momento para acabar com todos os outros”. Para quem não prestou atenção, inicia com o rapaz desesperado numa sala de espera de hospital, enquanto o pai está sendo entubado. Sentindo-se culpado por saber que foi o responsável, pois chegou da rua, voltando de uma balada, e, sem qualquer cuidado, contaminado pelo coronavírus, tirou a máscara e foi beijar o idoso.

Embora se fale a respeito do tratamento, não são muitas as gravações em lugares onde pessoas são entubadas. Não havia visto um centro de atendimento e, ao assistir matéria, fiquei assustado: leitos com pessoas praticamente nuas, debruçadas para facilitar o trabalho dos pulmões, um dos lugares mais afetados, causando a diminuição da capacidade de respirar, quase sempre com sequelas. Conversei com conhecidos que se fossem feitas campanhas com estas imagens (semelhantes às estampadas nas carteiras de cigarro), diminuiria o número dos que apostam numa “gripezinha”.

O que leva, de novo, para os ambientes hospitalares onde os profissionais vivem uma rotina estafante que os afasta do convívio com familiares e, quando possuem filhos, têm que fazer ginástica para entrar no processo de descontaminação e não levar o vírus para casa, o que, em muitos casos, diminuiu até o convívio afetivo. Estar com idosos, especialmente os pais, tornou-se quase impossível. Uma atendente de enfermagem chegou a dizer: “não é a distância que torna as coisas mais difíceis, mas a saudade de tocar e abraçar quem dá sentido às nossas vidas”.

Final de ano é tempo de tirar lições do que se passou. A valorização dos profissionais de saúde ainda é mais cantada em prosa e verso do que uma realidade consciente por parte da população… os auxílios emergenciais evitaram que se estabelecesse o caos numa economia que já vinha definhando… os processos de educação, precários, expuseram as suas mazelas, especialmente a distância entre as classes sociais… idosos e grupos de risco viram suas vidas colocadas em perigo por pessoas imediatistas, incapazes de pequenos sacrifícios e pensar no bem de todos...

Mesmo que você possa ter um “formigamento” para sair na noite do dia 31 e esperar o 1º de janeiro na praia, ou lugar público, faça melhor: fique em casa. Telefone, use redes sociais para mensagens ou videoconferência. É um tempo para se amar à distância, o que não impede que se acarinhe pais, filhos, parentes, amigos e desejar o mesmo que se faz todos os anos: “te cuida!” Um pedacinho do nosso coração que percorre qualquer distância para prometer: “tô contigo e vou continuar contigo”. Gesto que assegura os cuidados necessários para que se possa desejar um feliz e abençoado 2021!

domingo, 27 de dezembro de 2020

Desenho urbano e a vida do cidadão

O ponto central geográfico da área urbana de Pelotas, que já esteve na região do Areal, em seus primórdios, depois passou para o centro histórico da cidade. Hoje, está situado na Praça do Colono, que faz o entroncamento das avenidas Fernando Osório, Marcílio Dias, Francisco Carúccio e dom Joaquim, na zona norte. A informação foi dada por um arquiteto, quando falávamos da expansão da área construída em direção à vila Silveira, onde moro, com condomínios de baixa renda, mas também áreas de apartamentos, casas e comércio para a classe média.

Os mais recentes, Quartier e Quinta do Lago, ficam nos antigos campos e banhado dos Carúccio, já estando adiantadas as ruas, o que permite que se revejam lugares onde as pessoas caminhavam nos finais de tarde - ou aos fins de semana - em busca de ervas de chás, também, como dizia meu pai: “soltar as crianças para pastar e escramuçar”. Normalmente, quando as mães já estavam no limite do estresse e precisavam de um tempo para se recondicionar e tirar os meninos de circulação. Para eles, a novidade, na companhia do avô, era andar por trilhas, matinhos, morretes e um “laguinho”…

Nas caminhadas matinais, experimentei rotas alternativas num dos pontos mais elevado e fui surpreendido por boas memórias: o “laguinho”, uma das áreas de onde as olarias tiravam o barro para tijolos e telhas. Uma delas era a dos Carúccio, que ainda hoje tem parte da estrutura em pé. A outra, tenho um resquício de memória, seria a dos “Santos Anjos”. Não tenho certeza, alguém poderia me confirmar ou dar o nome correto. O arredor foi desbastado e abandonado. Ali brotaram gramíneas, ervas e arbustos, acolhendo bandos de pássaros que ainda buscam abrigo ao anoitecer.

Até a década de 70, a vila Silveira era um “condomínio fechado”. Uma rua (estrada) principal, com uma série de entradas laterais, que terminava ao iniciar o banhado dos Carúccio. A partir dali era um terreno difícil de ser percorrido. Quando o primeiro garoto que estava no quartel, em serviço, ficou sem dinheiro para o ônibus e resolveu atravessar área ocupada por maricás e gravatás (arbustos espinhosos), foi considerado um herói. Prenunciava a preocupação de muitos: um dia, a rua seria ligada com o Fragata - como se dizia, então - e acabaria com o sossego dos antigos moradores…

O desenho urbano é dinâmico, mas não precisa ser caótico. Nos últimos dez anos, os moradores que praticamente fundaram a vila (no início da década de 50) foram sacrificados por uma visível falta de planejamento e democratização dos dados referentes às obras. Projetos bem elaborados (e bem financiados) de bairros planejados coexistem com rua acessória transformada em corredor de transporte, mostrando despreparo dos planejadores públicos em reunir a expansão da área de construção com elemento humano, propiciando recursos como: lazer, saúde e educação...

Não sou contrário à evolução que traga melhoras, com oferta de serviços, inclusive comerciais. Entretanto, o que se viu foram idosos afastados das ruas, crianças perdendo espaços para brincar e que as residências, agora pela pandemia, estão longe de ser lugar de refúgio e abrigo. Fica claro que se o administrador público não for capaz de ter uma visão de conjunto da vida do cidadão, também não será capaz de ter uma perspectiva de futuro onde se integre e qualifique a própria vida…

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

O caminho para Belém passa por Jerusalém…


Seria uma longa jornada até Jerusalém. Na madrugada, José aprontou o burrinho onde dispôs material suficiente para a viagem de quatro dias. O essencial, pois tinha medo de que Maria se cansasse e fosse preciso ser carregada. Saíram de Nazaré para a estrada onde se juntavam as caravanas e pessoas que iam à Cidade Santa: peregrinos religiosos, negociantes e aqueles que atendiam ao chamado para o recenseamento, decretado por César Augusto, o que fazia José voltar à sua cidade de origem, desta vez acompanhado da esposa e do filho que estava por nascer.

Nos primeiros raios de sol, a movimentação era intensa: famílias inteiras se juntavam para fazer uma viagem que demandava paciência e, juntas, poderiam ter segurança contra animais e salteadores. Enquanto adultos arranjavam animais e cargas, as crianças faziam bulício ao redor, brincando, correndo, passando pelo meio dos grupos, indiferentes às reprimendas e advertências. Nas viagens, era sempre assim: pareciam não se cansar, até que, ao fim da tarde, quando montavam acampamento num descampado, mal mastigavam alguma coisa e apagavam.

A barriga crescia bastante de um dia para o outro. José voltou, trazendo junto uma menina que se identificou como Miryam. Sorriu para a pequena que, silenciosamente, ficou com o casal enquanto se deslocavam e encontravam o grupo que já estava em marcha. Maria teve com quem conversar, enquanto o esposo ajudava o burrinho. A menina não corria ou falava muito. Apenas acompanhava, atenta ao que diziam. Maria explicou que seus nomes tinham o mesmo significado: Miryan, do hebraico, e Maria, do sânscrito, tinham a doçura da pureza e da virtude.

No final da tarde, uma carroça estava com o rodado trincado e coube ao carpinteiro José concertar. Em seguida, uma criança apareceu com um banquinho que tivera o pé quebrado… Entretidos, Maria preparou a refeição da noite, enquanto as crianças, cansadas, seguiam Miryam e ficavam ao seu redor. O suficiente para fazer uma das coisas que mais gostava: contar histórias e falar de Javé… Narrou que sua terra era o lugar predileto de Deus e Ele enviaria Seu filho para salvar a humanidade. A noite já se punha quando as mães começaram a chamar e recolher os filhos.

Conversando com José, Miryam e as novas companhias, fizeram uma viagem tranquila, até chegar a Jerusalém. Em suas portas, parou diante de tanta grandiosidade e assustada com a movimentação de pessoas que entravam e saiam. O coração lhe dizia que aquela cidade ainda causaria muito sofrimento para sua família. Miryam segurou a mão de Maria que sentiu os dedinhos firmando os seus. Em breve, o filho faria o mesmo. Que costumes teria: dormiria bem, seguraria seus dedos ou seu cabelo quando caísse no sono? Seria capaz de libertar seu povo?

A jornada era menor até Belém. Por entre olivais, onde viam pessoas tratando das azeitonas, já tinha dificuldades para caminhar. Faltava tão pouco. Deixaram a Cidade Santa para trás certos de que era apenas o início de uma nova e longa jornada. O Filho de Deus abriria os olhos para um mundo que, ainda hoje, precisa aprender que o fausto de Jerusalém é nada comparado a uma simples manjedoura, em meio a pastores, nos estábulos que acolheram Jesus, em Belém. Deus se fazendo homem e dando a chance de que o homem chegue mais perto de Deus. 

Feliz e abençoado Natal!

domingo, 20 de dezembro de 2020

“Partilhando”, com o gostinho de estar com você...

Quando iniciou a pandemia, comecei a pensar num projeto de interação e informação, especialmente com o público cristão/católico. Fiz as primeiras conversas com o Lupi, coordenador de comunicação da Arquidiocese de Pelotas, e se pensou em formatar uma live de entrevistas. Sabíamos a quem nos dirigir, mas não tínhamos ideia de como delimitar as pautas e o formato. Embora fosse “chapa branca”, por ser oficial da igreja Católica, foi pensado para ser informativo, com notícias e a participação de quem nos auxiliasse a aprofundar conteúdos.

Felizmente (ou infelizmente, para quem desejava um espaço “bem-comportado”), a definição foi se dando a cada programa, evoluindo pelas mensagens e assumi (ou tomei conta?) a função de ser o mediador, que não apenas repassa perguntas e comentários, mas faz os próprios, e brinca com um público que, na maior parte das vezes, já é conhecido de outras andanças da igreja. Somam-se aos novos participantes que entraram no espírito e passaram a dar importantes e ricas contribuições, surgindo como a luz do Espírito Santo que refez o que meio que foi pensado inicialmente...

Em tempos de pandemia, nascia a live “Partilhando”, que se tornou, no dizer de alguns, programa esperado, o espaço de “sala” onde convivem os donos da casa com as visitas, mas também permite que os donos da casa alcem voos e se desloquem até as casas dos entrevistados. Rapidamente, os convidados entraram no espírito da coisa e contaram histórias, lembraram de lugares por onde passaram... e foram brindados com o carinho de quem não os via há longo tempo e guardava uma saudade contida de tempos e eventos em atividades paroquiais, pastorais e sociais.

Brincamos, nos divertimos, provocamos as pessoas, mas também tivemos momentos de ternura, de histórias em que, se ouviu depois, “eu não sabia”, com a oportunidade de rever padres como o Florêncio, Estêvão, Caponi… O arcebispo de Pelotas, dom Jacinto; os bispos de Montenegro, dom Carlos, e de Bagé, dom Cleonir (falta ainda dom Ricardo, de Rio Grande, que fica em pauta para 2021)… ver novos religiosos atuando na Diocese, como em São Lourenço do Sul e Pedro Osório… mas também ouvir as narrativas dos párocos locais de como estão se virando durante a pandemia…

Um nome especial nesta saga se chama Lupi. Um quase doutor (iniciou o doutorado agora), professor de Matemática, com grande capacidade de lidar com as redes sociais e uma paciência infinita para tratar com “manueis” e todas as castas religiosas que, no frigir dos ovos, não são muito fáceis de serem atendidas… Em alguns momentos, junto com o Tales e o Augusto, na técnica, e o contato e marcação de entrevistas. No ar, ou nos bastidores, é a cara do equilíbrio e bom-senso, com sensibilidade para perceber a oportunidade e a importância das pautas, ou deixar em banho maria…

Nova lista para 2021: Santuário de Guadalupe, Campanha da Fraternidade e ação ecumênica, apresentar para as novas gerações padres que fizeram história (Cláudio Neutzling, Mário Prebianca, Flávio Weissmann, entre outros). Contar “causos”, informar, sorrir, emocionar, brincar, fazer do “Partilhando” a família que se reúne às quartas, mas o gostinho se derrama pela semana… tendo um complemento: “com você”. Afinal, partilhar é a semente mais segura para se alcançar a felicidade. Deus o abençoe. Deus a abençoe. Deus nos abençoe. Feliz Natal. Vamos estar juntos em 2021!

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

A vacina, a escuridão e a esperança

Os cristãos dos primeiros tempos celebravam pela madrugada, concluindo seu ritual ao nascer do Sol. Vindos da mais intensa escuridão, que precede a aurora, faziam a analogia com a ressurreição de Jesus e sentiam-se renovados pelo convívio e o sentido de iniciar uma nova jornada, estimulados pela Eucaristia. Creio, até, que perdi a continuidade da palestra quando ouvi esta interpretação para um momento tão intenso de fé e tentativa de compreensão do Mistério. Que ganhava sentido para um cristianismo que se fortalecia e ocupava espaços por todo o mundo conhecido.

Não foi fácil para aqueles que ainda precisavam sacramentar uma doutrina, convencer de novas rotinas de vida e existir de forma diferente do que era estabelecido pelas religiões e forças dominantes. O culto pregado pela “seita do Nazareno”, como inicialmente era conhecida, se separava de um corpo maior (o Judaísmo) tendo a perspectiva de viver com suas famílias o ensino do jovem que iniciou sua pregação pelos mares da Galileia. De seita, virou religião reconhecida por muitos povos e chegou ao patamar de uma das maiores da história da Humanidade.

Ninguém disse que a história foi toda bonita. Embora muitos queiram bater nos pecados que o Cristianismo teve – perseguições, conversões forçadas, inquisição - é preciso olhar para o seu lado humanizador, em que preservou valores culturais e foi capaz de montar estruturas nas áreas de saúde, educação, social… Os mesmos princípios que nortearam os primeiros pregadores, mas que passaram por interpretações e ajustes com o andar da História. Com variadas visões, viram novos templos e pregadores brotarem e desaparecerem com os primeiros sintomas do coronavírus…

Agora que existe vacina no horizonte, as religiões precisarão se reinventar. Se já vinham em baixa, algumas atravessaram a pandemia apostando nas redes sociais. Certos de que, depois, o novo normal dará lugar ao novo presencial. Celebrações e eventos sentiram que os recurso da internet fizeram pontes com públicos que não se faziam mais presente e a oportunidade da vivência em comunidades virtuais. Entretanto, não creio que analistas sérios se animem a fazer previsões. Porém, uma coisa é certa: esqueçam o retorno ao que se fazia antes... é a aposta no cavalo errado.

As festividades de Natal e da virada serão difíceis. Com a mesma conversa de que se está cansado e uma “escapadinha” aqui e outra ali não causam problemas… Emblemática a charge mostrando a Morte e a menina - vinda de uma festa - sentadas na escada, conversando. A menina: “mas a gente seguiu todas as normas, todos os protocolos. Eu preciso ir?” A morte: “precisa sim, mas não te preocupa, tu estás levando junto a tua mãe e a tua avó!” Confirma a máxima de que as pessoas somente se dão conta da gravidade do momento quando perdem alguém próximo, que lhes é cara.

A escuridão que precede os primeiros raios de sol está se dissipando. Falta pouco para que a vacina chegue. A imunidade não acontece apenas porque ela já existe, mas porque, gradativamente, cerca o coronavírus e cria barreiras para a disseminação. Fizemos um tempo de advento (preparação) desde março. Merecemos uma perspectiva de vida e saber que o nascer de um novo dia é carregado de ressignificados nas relações e do entendimento da vida. Enfim, da compreensão dos nossos próprios medos e sofrimentos: a primeira luz no horizonte já dá sentido à nossa esperança!

domingo, 13 de dezembro de 2020

Depressão: viver o tempo da inutilidade

O livro “Tempos de esperas”, do padre Fábio de Melo, não é novo. Personagens trocam correspondências, neste caso, entre universitário e professor aposentado. Discutem conceituação filosófica a partir das alegrias e decepções do jovem numa troca de sentidos que leva ao amadurecimento de quem recentemente perdeu um amor. E que se perceba que, em qualquer etapa da vida, a própria vida tem que ressignificar os elementos mais simples (transformando em poesia), como na brincadeira em que é perguntado se é hora de comprar uma floricultura ou uma funerária…

A provocação vem pelo fato de que a namorada foi “roubada” por um florista e fez o mundo do garoto desabar em frustração e depressão. Alfredo tem dificuldades de recomeçar sem que antes entenda a necessidade de que o tempo de velar já passou e é preciso enterrar o que não foi capaz de entender. Até porque, de fato, o que aconteceu foi que “não entendeu o amor para além do tempo das utilidades”, como diz o filósofo Abner. E Clara (a amada) servia para ser um cadáver a ser dissecado em seus sentimentos e conhecimentos, porém, era preciso saber: e depois, o que restaria?

Alfredo avança um pouco, mas também retrocede, mostrando que amadurecer, pode ser o seu tempo de ser atrevido. No registro de Abner: “estás sendo arrogante porque tens a consciência de ser limitado”. Chorar as perdas idealizadas e procurar outros que nos ouçam – mesmo que às vezes não compreendam – faz com que as lágrimas se transformem em “palavras plenas de significado”… O ressignificar se faz nas pessoas, nas coisas e nas palavras como ao pedir que inicie um jardim, não o idealizado por especialistas, mas que retrate a capacidade poética de se relacionar com a natureza...

Gosto muito das reflexões do padre Fábio sobre o “tempo das utilidades”. Numa das suas histórias mais marcantes, fala do idoso que precisa ser colocado ao sol, mas também precisa ser recolhido. Aborda a diferença entre ser amado e ser útil, sem que se perca o valor. É saboroso perceber o quanto é capaz de olhar na perspectiva de quem é jovem, pleno de vida, mas se dá conta de que o horizonte fica mais bonito no entardecer, especialmente se a gente for capaz de encontrar uma forma de compartilhar com quem se ama. Falando de chegar à velhice, diz:

Quando eu viver aquela fase na vida: põe o padre Fábio no sol… Tira o padre Fábio do sol… Aí eu peço a Deus sempre a graça de ter quem me coloque ao sol, mas sobretudo, alguém que venha me tirar depois. Alguém que saiba acolher a minha inutilidade. Alguém que olhe pra mim assim, que sabe/que possa saber que eu não sirvo pra muita coisa, mas continuo tendo meu valor. Porque a vida é assim, minha gente, fique esperto, viu? Se você quiser saber se o outro te ama de verdade, é só identificar se ele seria capaz de tolerar a sua inutilidade.”

Fábio de Melo amadureceu e respalda o que diz na vivência e espiritualidade, relações e afetos. A forma como chegou à própria inutilidade – a depressão – e buscou energia para fazer o anúncio da vida e da esperança, pela palavra de Deus. “Fique esperto”: o tempo de Natal é de euforia para uns e tristeza para outros. O renascer – o recomeçar – pede que se deixe de lado a filosofia e pense mais na poesia – o lugar do mistério - onde se percebem carências mas, também, na proximidade do tempo da inutilidade, a andar sem pressa e ser mais verdadeiro… enfim, “viver, sem ter medo de ser feliz!”

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Menos fome, mais humanidade


Acompanho relatos feitos por entidades que se preocupam com populações em situação de risco (como os Médicos Sem Fronteira). Quase sempre, em lugares onde impera a violência ou regiões inóspitas. Não tem como se saber qual dos males é o pior: a guerra (ou guerrilha), que vitima os homens, mas não poupa crianças, mulheres e idosos, com as marcas que ficam pelo corpo e também no espírito; a desagregação dos grupos, quando são tratados como manada e redistribuídos até por outros países; e o espectro que desidrata e aniquila até a vontade de viver: a fome.

As medidas econômicas de auxílio do governo tem sido paliativo que ajuda, mas não é suficiente para acabar com um problema que não é causado pela guerra ou por elementos climáticos, mas por decisões políticas que canalizam recursos para a própria estrutura pública. Que vê nos gastos com a população um inconveniente, já que terá que repartir aquilo que se transforma em benesses para altos escalões. Repetindo: temos impostos de primeiro mundo, com serviços de terceiro e, sim, uma máquina que está sendo paralisada porque desatualizada e incapaz de atender às demandas sociais.

Os bancos de alimento das cidades, assim como o Banco de Alimentos Madre Tereza de Calcutá, o Instituto de Menores e as paróquias de diversas religiões estão correndo atrás, hoje, não para dar um Natal melhor para a população em situação de miséria, mas colocar o alimento necessário em suas mesas para garantir o sustento. Não é o panetone, o refrigerante ou um doce que vai alegrar a vida de famílias que perderam empregos ou viram suas rendas diminuídas. Isto é luxo comparado com a necessidade do arroz, do feijão, da massa, do óleo, leite… que permitam a subsistência.

Um conhecido disse que, este ano, não vai ter presentes para a família, amigos e pessoal do trabalho. Em casa, apenas o que for realmente preciso para uma ceia de Natal e Ano Novo. O que iriam gastar pretende transformar em cestas básicas. Já tinha a informação de entidades que atendem crianças em situação de risco e que, agora, estão garantindo alimento para suas famílias. Mas ainda faltam doações. Então, pela conta que fez, já sabe que vai doar, ao menos, o equivalente a três cestas básicas. Gostei da ideia e já contei para familiares: vou fazer o mesmo!

A campanha por menos fome (não vamos solucionar o problema num passe de mágica) precisa se transformar num momento de mais humanidade. Não creio que as perdas e os problemas causados pela pandemia nos deixem melhor enquanto sociedade. Mas creio, sim, que um número maior será capaz de perceber o quanto a visão de que “pobre é pobre porque quer” ou de que “não souberam aproveitar suas oportunidades” transformou-se em falácia difícil de se sustentar quando há uma cultura da pobreza que já vem de gerações, incapaz de, por si só, transformar esta condição.

A pandemia levou entidades a investirem em sistemas que permitem a doação de dinheiro, em alguns casos com a possibilidade de que se escolha os alimentos, até o recolhimento de bens de consumo. O sociólogo Betinho idealizou campanha nacional buscando a solidariedade entre os brasileiros: “quem tem fome tem pressa” é desafio de virarmos este ano difícil fazendo com que mais gente possa viver com menos sofrimento… e, quem sabe, bem mais dignidade!

domingo, 6 de dezembro de 2020

Natal: a celebração da saudade e da esperança

 

Chegamos a Pelotas no final de julho e eu havia completado quatro anos no início de junho. Minha família ainda estava em busca de parentes que vieram antes para os arredores da cidade e se acostumavam com o fato de que meu pai, seu Manoel, até então pequeno agricultor e prestador de serviços, especialmente na colheita do arroz, agora precisava se adaptar à vida de atendente de um “bar e armazém” que levaria seu sobrenome: “Raulin”. Não lembro do nome anterior do ponto de comércio, mas ficou gravado que eram irmãos conhecidos como “os três patetas”!

No 5º Subdistrito de Canguçu não havia uma igreja (ao menos que eu lembre). O padre aparecia uma vez ao ano e fazia os batizados, casamentos e as “encomendações” dos defuntos, recentes ou não. Com vizinhos religiosos, como a dona Rita, acabamos conhecendo a igreja de Santa Teresinha (com “s”, sim, por ter sido o diminutivo assumido como nome próprio – ainda manias de professor de redação!). Não tinha parâmetros para avaliar, um pouco pela idade, outro por não conhecer templos diferentes. Mas, era estranho que não tivesse forro e o piso fosse de tijolos expostos…

Mais tarde soube que a igreja sucedera a uma estrebaria, sim, o lugar onde abrigavam cavalos para atuarem no prado, em alta naquele momento, e lugar a ser visitado em finais de semana para diversão da família. Junto com a dona França, íamos eu, a Loci e o Cláudio (a Leonice ainda não existia) para as Missas de domingo pela manhã, quando, mais estranho ainda, descobri que o homem que atendia naquele lugar era um negro… também se adaptando a um ambiente que, embora fosse de trabalhadores pobres, na maior parte brancos, tinham ressalvas pela sua presença…

Testemunhei seu esforço para fazer com que a igreja Católica fosse sinal forte no bairro. Estavam começando os ventos que se fortaleceriam no Concílio Vaticano II. Mas ele já era figura constante nas nossas vidas, de batina, não se furtando em jogar futebol com as crianças nos campinhos, para onde as catequistas vindas da Minha Casa Rural nos levavam e davam as primeiras instruções sobre fé e religião. Fui um dos beneficiados pela escola do Padre Roberto, nas primeiras séries, instalada junto da igreja, com uma gráfica que lhe dava sustento e mantinha suas obras.

Só então, lançou-se atrás do seu sonho: uma nova igreja. A comunidade tinha poucos recursos e a demora foi imensa. Num Natal, reuniu lideranças e conhecidos para algo inédito: paredes levantadas, sem telhado e com montes de terra e material de construção, queria fazer a Missa do Galo nas novas dependências. A instalação de um caminhão que serviu para ser o local de colocação das mesas da Eucaristia e da Palavra. No “muque”, formou-se o espaço do sagrado que atraiu muita gente e impulsionou a sua conclusão, ao menos de uma forma que já fosse possível ser utilizada.


Sexta-feira, participei da Missa na Santa Teresinha. Lembrei dos que saiam de fábricas, comércio, prestação de serviços… Meu pai, seu Borges, seu João (os da minha rua) atendiam atividades pesadas, levantando paredes, em todos os sentidos… a mãe, dona Rita e outras ajudavam na limpeza… Nas paredes estão risos por representações; lágrimas pelos que partiram; vozes de reuniões e celebrações... Rezei por todos, pois se, hoje, há uma igreja que celebra o Natal por aqui, com certeza, outra têm o privilégio de viver o “natal” na presença e na companhia do próprio menino Jesus!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

As vacinas estão chegando...

Os dias que se seguem ao segundo turno das eleições serão fundamentais para assumir (ou perder) o controle do coronavírus. Os atuais administradores, reeleitos ou não, terão que tomar medidas fortes para estancar o que o ministro Pazuello chamou de "repique", já que o período eleitoral aliviou medidas impopulares que, agora, até pensando na economia, serão retomadas. Sendo melhor que se restrinja a circulação nas primeiras semanadas de dezembro do que, depois, junto às festas de final de ano.

O simples fato de se ter no horizonte a possibilidade de uma vacina causou um alívio geral: parte da população sentiu-se vacinada virtualmente, achando que apenas a possibilidade já causaria o efeito da proteção. Errado. E vai-se pagar caro por este erro, já sabendo que os mais jovens estão se contaminando e os municípios lutam para ampliar o número de leitos especializados. Quem prega a necessidade de sair do estresse está piorando a situação para administradores e profissionais da saúde.

De fato, estamos perto de ter uma solução pela vacina. Mas cuidado: ela deve começar a ser distribuída no início do ano para profissionais da saúde e grupos de risco, em especial quem se encontra em casas geriátricas. Posso estar enganado, mas não creio que antes de março, abril, inicie a vacinação em massa. Olhando o calendário: quando inicia o outono, a chegada do frio e a possibilidade - agora batendo na madeira - de que efetivamente a segunda onda do coronavírus aporte no Brasil.

Por outro lado, existem lições a serem aprendidas, no que se refere aos hábitos de higiene: lavar as mãos adequada e repetidas vezes, o álcool gel, máscaras em contatos públicos e evitar aglomerações... A vacina dará um alívio, num primeiro momento, mas não vai acabar com o vírus e a sua propagação. A recomendação para idosos, grupos de risco e quem pode ficar em casa é que faça exatamente isto: restrinja a sua circulação, como um hábito de proteção pessoal e daqueles com os quais convive.

No início do mês de novembro, a Organização Mundial da Saúde teve, num dia, o maior registro de infectados pela pandemia. Já mirando a vacina, pode-se sentir um alívio diante da perspectiva. Mas não descuidar. Quase um milhão e meio de mortos no mundo e mais de 170 mil no Brasil. São números que não podem ser desprezados e pensar que o problema é dos outros. A segunda onda já bate no hemisfério norte e, com a imunização, chega amenizada, mas, é certo, ainda vai causar estragos...

As vacinas estão chegando... num dos primeiros textos sobre a pandemia acreditei que, ao final, estaríamos mais sofridos, maduros e sedentos de carinho. Necessitando respostas para a própria fé, sentimento de que vazios existenciais dão lugar a algo que não é apenas o corpo que um vírus consome causando sofrimento... mas um espírito teimando em não desistir da própria esperança... e, ainda, buscando sobreviver!