domingo, 13 de dezembro de 2020

Depressão: viver o tempo da inutilidade

O livro “Tempos de esperas”, do padre Fábio de Melo, não é novo. Personagens trocam correspondências, neste caso, entre universitário e professor aposentado. Discutem conceituação filosófica a partir das alegrias e decepções do jovem numa troca de sentidos que leva ao amadurecimento de quem recentemente perdeu um amor. E que se perceba que, em qualquer etapa da vida, a própria vida tem que ressignificar os elementos mais simples (transformando em poesia), como na brincadeira em que é perguntado se é hora de comprar uma floricultura ou uma funerária…

A provocação vem pelo fato de que a namorada foi “roubada” por um florista e fez o mundo do garoto desabar em frustração e depressão. Alfredo tem dificuldades de recomeçar sem que antes entenda a necessidade de que o tempo de velar já passou e é preciso enterrar o que não foi capaz de entender. Até porque, de fato, o que aconteceu foi que “não entendeu o amor para além do tempo das utilidades”, como diz o filósofo Abner. E Clara (a amada) servia para ser um cadáver a ser dissecado em seus sentimentos e conhecimentos, porém, era preciso saber: e depois, o que restaria?

Alfredo avança um pouco, mas também retrocede, mostrando que amadurecer, pode ser o seu tempo de ser atrevido. No registro de Abner: “estás sendo arrogante porque tens a consciência de ser limitado”. Chorar as perdas idealizadas e procurar outros que nos ouçam – mesmo que às vezes não compreendam – faz com que as lágrimas se transformem em “palavras plenas de significado”… O ressignificar se faz nas pessoas, nas coisas e nas palavras como ao pedir que inicie um jardim, não o idealizado por especialistas, mas que retrate a capacidade poética de se relacionar com a natureza...

Gosto muito das reflexões do padre Fábio sobre o “tempo das utilidades”. Numa das suas histórias mais marcantes, fala do idoso que precisa ser colocado ao sol, mas também precisa ser recolhido. Aborda a diferença entre ser amado e ser útil, sem que se perca o valor. É saboroso perceber o quanto é capaz de olhar na perspectiva de quem é jovem, pleno de vida, mas se dá conta de que o horizonte fica mais bonito no entardecer, especialmente se a gente for capaz de encontrar uma forma de compartilhar com quem se ama. Falando de chegar à velhice, diz:

Quando eu viver aquela fase na vida: põe o padre Fábio no sol… Tira o padre Fábio do sol… Aí eu peço a Deus sempre a graça de ter quem me coloque ao sol, mas sobretudo, alguém que venha me tirar depois. Alguém que saiba acolher a minha inutilidade. Alguém que olhe pra mim assim, que sabe/que possa saber que eu não sirvo pra muita coisa, mas continuo tendo meu valor. Porque a vida é assim, minha gente, fique esperto, viu? Se você quiser saber se o outro te ama de verdade, é só identificar se ele seria capaz de tolerar a sua inutilidade.”

Fábio de Melo amadureceu e respalda o que diz na vivência e espiritualidade, relações e afetos. A forma como chegou à própria inutilidade – a depressão – e buscou energia para fazer o anúncio da vida e da esperança, pela palavra de Deus. “Fique esperto”: o tempo de Natal é de euforia para uns e tristeza para outros. O renascer – o recomeçar – pede que se deixe de lado a filosofia e pense mais na poesia – o lugar do mistério - onde se percebem carências mas, também, na proximidade do tempo da inutilidade, a andar sem pressa e ser mais verdadeiro… enfim, “viver, sem ter medo de ser feliz!”

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