domingo, 20 de setembro de 2020

20 de setembro: em busca de uma identidade cultural


Este ano, as comemorações do 7 de setembro - Independência do Brasil - e o 20 de setembro - Revolução Farroupilha - estão sendo bem diferentes dos anos passados. Os tradicionais desfiles, em ambas as datas, assim como os festejos, especialmente organizados pelos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), tiveram que apelar para as transmissões pela internet e, claro, não tiveram a mesma graça... Os desafios musicais, de dança e declamações tem muito daquele sabor de pertença que, mesmo que possa ser mal contada, é uma parte da nossa história, ficando ainda melhor quando se veem crianças caracterizadas e até recém nascidos saindo da maternidade com roupinhas típicas.

Um toque de gaita, de pandeiro ou violão num dos ritmos que agitam os bailes e apresentações tem uma chama de identidade. Junto com nossos irmãos do Uruguai e da Argentina, somos os GAUCHOS, mais do que as roupas que vestimos, um sentimento de que ainda mantemos um pouco do nosso orgulho, que foi se deteriorando com tempos em que o próprio Rio Grande deixou de ser referência política, cultural e econômica, entrando em dificuldades bem visíveis quando comparamos com o ranking dos demais estados da federação.

Tristemente, sobrou uma glamourização sem sentido de um gaúcho de representação, em tese "recuperado" a partir de meados do século passado, quando mais se buscaram registros que atendiam a um meio estudantil sedento por criar uma novidade do que representando o então homem do interior, que já sofria com os problemas da pobreza e da miséria e que viveu o êxodo percorrendo estradas difíceis e com muitas dificuldades engrossando a fileira daqueles que já estavam nas vilas e bairros das médias e grandes cidades.

Recentemente, num programa de rádio, lembrei de duas situações que ouvi ou fiz parte. Uma delas era do chimarrão tomado na avenida Bento Gonçalves. Década de 70 e nós, então jovens de grupo da paróquia Santa Teresinha, aproveitávamos o caminhão do pai do Geraldo para juntar a turma e ir passear e chimarrear no point jovem. "Coisa de grosso", como nos diziam, porque ainda não se costumava matear em público. Mas era uma diversão, especialmente andar de caminhão em meio aos carros da garotada que desejava passar, apressadinhos, buzinavam e o Geraldo ameaçava dar ré... e era uma debandada só!

No outro caso, contei que meu pai tinha muitos irmãos - se não estou enganado, ao todo eram 12 - e muito pobres. A farinha comprada para o pão vinha em sacos brancos que eram devidamente lavados e depois transformados em roupas. No caso das meninas, faziam os modelos completos, mas os meninos eram vestidos como um grande camisolão em que se adaptavam o pescoço e os braços, sem usar mais nada... Contava que, quando apareciam visitas eles disparavam em direção aos matos ou às sangas, que ficavam próximos das casas...  Há versões diferentes, mas a do meu pai era esta.

Depois disto, meus pais e muitos dos meus tios e primos foram em direção da cidade... Numa época em que ainda era relativamente fácil conseguir emprego, alugavam uma casa e, sempre com muitos sacrifícios, chegavam a ter a residência própria. Em alguns casos, saíam para servir ao Exército e, já na cidade, de lá não voltavam mais... 

Não convivi com todos eles, mas não lembro de alguém dos meus parentes ou dos jovens das vilas terem sido tradicionalistas dos quatro costados. Eram gaúchos de raiz, de lugares onde a mistura se dava com índios, negros, bugres (nem sei se tinham bem ideia de uma definição do que eram bugres). Uma das discussões que sempre faço nesta ocasião é que, infelizmente, a chamada "cultura gaúcha" virou cultura de grupos organizados, mas não é a cultura da população. Que, aliás, hoje, nem se pode dizer que tem uma cultura. 

A pandemia somente acentuou os problemas que já vinham se apresentando e vai tornar mais difícil ainda a arte da sobrevivência... Mas é exatamente nisto que o 20 de setembro, especialmente, pode nos ensinar: a busca por uma cultura que ainda não temos. A revolução de hoje é o sentimento de que "vai passar". O novo normal pode ser, sim, um tempo em que mais gente seja capaz de estender o olhar por sobre as nossas coxilhas, confiantes de que, precisamos plantar a solidariedade... se quisermos colher a a esperança!

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