terça-feira, 8 de setembro de 2020

O rosto da fome: um choque de realidade


O rapaz que está a serviço de uma instituição foi designado para atender, com o seu grupo, a um sopão coletivo. Seu trabalho era recolher as vasilhas que as pessoas da vila traziam para o alimento servido de acordo com o número de pessoas da família, declarado num cadastro. Toda a preparação foi feita no ritmo de jovens que se empolgam em realizar uma ação e estão mais para festa do que para o trabalho. Até que começou a se formar em frente à barraca montada para o serviço um autêntico desfile da miséria e da fome...

Alguns chegavam com panelas velhas, latas, recipientes reaproveitáveis, como caixas de leite e garrafas pets cortadas. Contou para a mãe que nunca tinha visto o olhar e o rosto da fome... Em "velhos" - idosos, mesmo, ou envelhecidos pelas dificuldades; mulheres que disputavam a tapa até os resquícios de comida que ficavam espalhados pelas mesas; mas, especialmente, crianças, onde o olhar já não tinha mais sentido, apagado, sem perspectiva, achando difícil continuar mendigando, nem que fosse o pão nosso de cada dia.

O número de atendimentos saltou e, o que se vê, é que a caridade praticada por alguns têm sido insuficiente, especialmente porque as ações governamentais, em todos os níveis, têm sido discretas, quando não ausentes. A Igreja Católica, em Pelotas, movimenta-se pelo Instituto de Menores, Cáritas Diocesana, Banco de Alimentos Madre Tereza de Calcutá, paróquias e comunidades. Mas, também, evangélicos, espíritas, umbandistas, do meio judiciário, banco de alimentos de Pelotas estão na ativa e sentindo o quanto precisam e poderiam fazer mais.

O Instituto de Menores dispensou as crianças por orientação do poder publico, sem deixar de atender às famílias, também não se negando a auxiliar aqueles que vem de outros bairros. Seu serviço se dá com a retirada de ficha um dia antes e, tristemente, faltam gêneros, porque o número daqueles que procuram é bem maior do que as sacolas que arrecadam. Intensificaram o recolhimento por conta bancária, retirada nas casas e convênios com alguns supermercados, onde, na compra de uma cesta de alimentos, a empresa dobra a doação.

Frei Cleiton Oliveira participou da live Partilhando (arquidiocese de Pelotas). Falou sobre o projeto "laços e afetos de solidariedade", realizado no bairro Fragata.,,, Trabalham a necessidade de se tomar consciência das perdas de pessoas queridas, que pode ser um estímulo a se continuar vivendo, em especial, atendendo àqueles que estão carentes e sem condições de esperar que se acionem os mecanismos emperrados das máquinas públicas. 

O menino viu nas pessoas atendidas o rosto da fome e tomou um choque de realidade. Os ambientes protegidos onde circula em família, entre amigos, na escola, não prepararam para o quadro da miséria e da dor, de homens e mulheres embrutecidos por suas carências. Levou um tempo para recuperar o sorriso fácil e brincalhão. Mas, ao contrário, infelizmente, o isolamento social, em muitos casos, serve apenas de desculpa para que se assista ao "espetáculo" de quem tropeçou na vida e busca a solidariedade, que está se tornando cada vez mais difícil...


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