domingo, 6 de setembro de 2020

Vacina: cuidar de si, cuidar dos outros...

Quem transita pelo bairro Santa Terezinha e passa pela avenida Vinte e Cinco de Julho, em frente à igreja do mesmo nome, encontra o condomínio Terra Nova. Nem imagina que, antes do conjunto residencial, ali era uma nesga de terra que costeava a Vila Silveira, até a última de suas ruas. Mas, antes ainda, havia um mato de eucaliptos, lugar de brincadeiras para a gurizada e de estadia nos finais de tarde mais quentes. Paralelo às ruas da quadra havia um caminho que costeava as cercas e facilitava o acesso ao colégio do Padre Roberto (era a Escola Paroquial de Santa Teresinha) e o posto médico.

Aí começava o problema. Nossa família se revesava quando precisava de algum atendimento para as crianças, especialmente os mais novos, o Renan e a Daniele. Normalmente, era a minha irmã, a Leonice, ou o pai, seu Manoel, que os levavam para consultas ou para as vacinas. Numa das ocasiões, nem lembro porque, tocou para que eu os levasse. Saímos muito bem, até chegar ao fim da primeira entrada da vila, quando iniciava o caminho, já bem próximo do posto. A Daniele, ao avistar a fila de pais, responsáveis e crianças, já foi anunciando: "eu vou chorar!" e, de fato, abriu o berro, antes mesmo da picada da vacina. O Renan foi taxativo de que não iria chorar, e se manteve valente, não chorou...

A dona Alda foi nossa vizinha por longos anos. Parceira do chimarrão, sempre tinha histórias para contar e gostava de ficar à janela, numa banqueta mais alta, para "frestear" o movimento da rua. Em muitas ocasiões, reclamava que não passava ninguém. Hoje, iria se fartar de tanta gente. Mas, não vem ao caso... Quando apareceram as vacinas contra as gripes para os idosos, foi taxativa: não iria se vacinar. Meus pais já iam ao posto todos os anos e bateu a curiosidade: o que a impedia? Depois de muitas conversas, comentou: um parente tinha lhe dito que a vacina era um jeito do governo matar os velhinhos. Com isto deixaria de pagar os salários da previdência...

Quando meus pais já não tinham mais condições de ir até o posto de saúde a pé, ainda, por alguns anos, levei-os de carro, sem muitas dificuldades. Quando começou a se tornar difícil, solicitei e prontamente passaram a ser atendidos a domicílio, com um efeito colateral: eu também passei a me vacinar e o podiam fazer todos os que estivessem na casa. Numa ocasião, estavam trabalhando na limpeza uma menina e um rapaz (juro que não vou dizer o nome) que é o nosso faz tudo, desde pintura, consertos, limpeza de vidraças e caixas d'água... Avisei que, se quisessem, poderiam ser vacinados. Quando as técnicas terminaram conosco, procurei por eles: pura e simplesmente, tinham desaparecido!

Foi do que lembrei quando passou a se discutir a questão da obrigatoriedade da vacina ou não. O próprio presidente da República defende que não se pode obrigar ninguém a se vacinar. Por outro lado, tenho que concordar com aqueles que defendem que os contrários à vacina também devem ser proibidos de receber tratamento em caso de contágio. Embora saiba que, na prática, isto é impossível. No Brasil, o direito à saúde é universal e negar qualquer atendimento é um cerceamento constitucional. Triste pensar que autoridades estimulem a que pessoas possam se infectar e transmitir o vírus, especialmente para aqueles que estão em grupos de risco, sem que sejam responsabilizados.

A vacinação de idosos mais recente mostrou um aumento substancial na adesão. Pena que não por consciência do bem que lhes faz e dos benefícios na relação com as outras pessoas. O que motivou muita gente a ir aos postos e receber a vacina foi o medo da morte e do sofrimento causado pelo coronavírus. A tecla continua sendo a mesma: é uma questão de educação. Que precisa gerar a cultura da prevenção: um jeito da gente cuidar de si mesmo e do meio onde se vive para que, o que se chama de qualidade de vida, não seja apenas um sonho, mas uma realidade palpável para um maior número possível de pessoas.

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