Era serena a voz do pai ao contar a história do filho que se tornou dependente químico. Encarava o fato de que alcançaram uma vitória - o rapaz estava limpo há três anos - e havia também uma constatação: ser companheiro do filho não foi o suficiente para livrá-lo desta experiência que, se hoje é uma ferida fechada, nem mesmo o tempo apaga sua cicatriz.
Num programa de rádio, na manhã de domingo, abriu o coração para falar da instituição na qual colabora e que acompanha jovens em recuperação. O filho começou cedo no uso de drogas, provocado por amigos e em ambientes que julgava estar fora do alcance dos criminosos que a distribuem.
Reconheceu que, por seu trabalho, parava pouco em casa. Mesmo tendo procurado gastar todo o tempo disponível em ser presença na vida do filho, não foi o suficiente. Levaram um longo tempo até chegar ao fundo do poço e encontrar uma instituição que mostrava o quanto o torniquete da máquina assassina era capaz de asfixiar e que não havia guerras ganhas, mas a comemoração de pequenas vitórias.
Veio um chavão difícil de ser ouvido por um pai nesta situação: "quem consome a droga alimenta o tráfico". Mostrou que não é bem assim. Num momento em que se discute segurança pública há um diagnóstico dizendo que grande parte destes problemas acontecem, exatamente, porque o Estado - em todos os seus níveis - é incapaz de exercer seu poder de polícia e impedir que a droga entre no país, produção e comercialização.
Levantou outra questão: a partir de uma certa idade - cerca de 14 anos - quando um adolescente tem um temperamento mais forte, dificilmente os pais conseguem controlar seu desejo de estar na rua, com amigos, exposto aos perigos de certos ambientes. É aí que deveria atuar o poder público em blitz, fiscalização de espaços públicos, dando guarida aos pais quando pretendem resguardar seus jovens. Mas não funciona e o que se vê são "crianças" frequentando locais de adultos.
O filho passou a ser um amigo. As dificuldades estão no constante assédio para que retorne ao vício. É a vitória de um dia a cada vez. O anoitecer da família era sempre de angústia e a possibilidade de voltar à dependência. Hoje, juntos, em casa, se transforma em convívio e num amanhecer de esperança.
As muitas noites de insônia, as muitas lágrimas derramadas desaguaram numa certeza: precisam estar juntos, cuidar uns dos outros. Se o tempo da adolescência passou e o da juventude foi difícil, ainda há carinho e cumplicidade para compartilhar, ser a única "droga" necessária para alimentar uma relação que só pede o direito de reaprender a amar e ser, novamente, feliz.
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