Durante muito tempo, tive dificuldade de ouvir, confesso, sem bocejar, uma das mais belas canções: Noite Feliz. Como um burocrata do Senhor, fui ouvindo, repetidamente, a música e a letra. O sentido e o sentimento foram se perdendo, até restar, apenas, um tema de um determinado período do ano, incluído na liturgia.
Ouvir a interpretação do Coral da UFPel, na Catedral do Redentor, foi um sinal de que precisava retomar certos valores, não apenas por eles mesmos, mas por todo o sentido que têm, no envolvimento com as pessoas e a própria comunidade.
Minha desculpa sempre foi no sentido de que o Natal é por demais comercializado e que, da lembrança do Menino, muito pouco, ou quase nada, restou. E ficava apenas um momento triste, uma espécie de deserto espiritual. Era preciso fazer alguma coisa.
Lembrei-me, então, do seu Chico Silva, da antiga Loja A Principal, que perdeu um filho e ia para o trabalho passando as contas de seu terço. E quando não conseguia rezar o pai-nosso, as ave-marias e o glória ao Pai, porque as lágrimas eram mais fortes, conseguia cantarolar uma música: “segura na mão de Deus e vai...”
Este não é o tempo mais fácil. Embora todas as luzes e festas, muitos são aqueles que se deixam vencer pela depressão, o medo de se lançar em uma nova jornada, a frustração por ainda não ter conseguido tudo o que projetou. E, então, é possível cansar de Deus.
Fácil se torna culpá-lo, por tudo o que não conseguimos fazer. “É, Deus bem que poderia ter dado uma força. Não deu. Então paciência”. A fadiga de Deus. Do deus que fizemos à nossa imagem e semelhança. Incapazes de reconhecer nossas limitações e de buscar nossa realização dentro do potencial que temos, não do que desejaríamos ter, ficamos frustrados com o que não veio, esquecendo do muito que a vida já nos deu. Nos dá. E, com certeza, nos dará.
Outros passam a ser os valores. “Negociamos com Deus”. Não deu certo. Hora de encontrarmos outros deuses. Este é um caminho perigoso. Cansados de Deus (ou de nós mesmos?), arrumamos qualquer desculpa para nos negarmos ao silêncio – a única forma de, mesmo num deserto espiritual, voltarmos a vislumbrar a luz.
Pois este é o momento em que se lembra o nascimento do Menino: feche os olhos e ouça seu primeiro choro; os primeiros balbucios, ainda nos braços de Maria. E veja que ele cresce, sob o olhar carinhoso dos pais, até estar preparado para a sua missão.
Você pode – e com razão – dizer que nada disso é com você. Então, você é um privilegiado. Porque uma fé é construída superando dúvidas, aceitando momentos em que as tormentas parecem ser o único horizonte. Superadas estas, ninguém garante que outras dúvidas e outras tempestades não existirão.
Faz parte da doce aventura humana. Nossa realização está em superarmos cada obstáculo: sensibilizados pela fé, Deus se torna novo a cada momento; provocado pelo outro, não há como ter uma visão burocrata da vida, somos desacomodados pelo sentido do existir; e o deserto volta a florir, quando uma chuva de vida passa pelos olhos daqueles que abraçamos neste tempo e que oferecem amor, amizade, parceria. Mas também pedem conforto, solidariedade, carinho.
Feliz Dia do Nascimento do Menino. Esta é a maior bênção deste tempo. Deus lutando para que nos despojemos de tudo, abertos apenas para Ele. Já que, conseqüentemente, também abertos para o mundo. Cansado, é possível. Mas não de Deus.
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