domingo, 4 de abril de 2021

Oração de criança: um sussurro no ouvido de Deus

A Semana Santa é tempo privilegiado para se pensar a religiosidade de cada um de nós. Grande parte da população brasileira se diz crente e, especialmente, católica. No entanto, na prática, o que se vê são aqueles que buscam na religião o atendimento de “necessidades” e não veem problema em pedir o batismo de uma, o casamento da outra e a encomendação de um ente querido de uma terceira. Muitos motivos levam a um afastamento dos templos e espaços de cultos, mas há um elemento fundamental na construção da convicção religiosa que estamos perdendo: a cultura.

Pode-se discutir que o distanciamento de valores culturais também é a causa do empobrecimento das relações sociais. Os espaços de encontro presencial e os costumes que se passavam por gerações são deixados de lado por não se compreender plenamente o seu significado e o pensamento de que os filhos, especialmente, precisam fazer, quando crescem, as suas próprias escolhas. Sem alguém que lhes indique o caminho e sem o testemunho de uma prática – especialmente religiosa – não há como ter elementos que auxiliem a fazer uma opção de fé consciente… e coerente.

A iniciação religiosa se bebia no leite materno. A primeira bênção se recebia pelo sinal da Cruz, feita pelos pais sobre a cabeça do recém-nascido. Crescia-se vendo este gesto em diversas ocasiões, especialmente ao deitar e levantar. Quando se conseguia, cruzava-se a mão em forma de cruz sobre o corpo repetindo a mãe e o pai. Muitas vezes errando o lado, mas acertando o significado, com o sentimento de que se repetia o gesto de alguém que se amava. Ainda no leito infantil, se aprendia a oração da Ave-Maria e do Santo Anjo, um pedido de proteção e de consagração.

O padre Zezinho diz numa canção: nas Ave-Marias que eu rezava, eu sempre engolia umas palavras e muito cansado acabava dormindo, mas dormia como quem amava...E depois se aprendiam as demais preces, com épocas que ficaram marcadas na memória: seis da tarde, hora de recolhimento das brincadeiras de rua, instante para escutar a oração do Ângelus com o seu “momento de reflexão” e, claro, depois, ouvir as histórias contadas pelas ondas do rádio. Reunidos à mesa da cozinha, à luz do lampião, a imaginação percorria mundos que iam se formando...

Recentemente, o padre Fábio de Melo perdeu sua mãe, a dona Ana Maria. Do homem que enxerga a multidão como se sempre olhasse para cada um e diz: “você vale a pena!” - guardei uma lembrança da infância. Rezavam o terço junto a um pequeno altar onde havia uma imagem do Sagrado Coração de Jesus. Ele, já curioso, queria saber porque o coração estava pelo lado de fora do corpo. Ela, com a teologia que toda a mulher/mãe tem inspirada por Deus, teria dito: “filho, eu não sei explicar, mas acho que é porque nele cabe tanto amor que o peito não suporta!”.

As donas “Anas Marias” são mulheres que formaram a cadeia perfeita para desenvolver o amor fraterno e aprender a amar o próximo. Sem uma família com religião, sem uma família que reze, a sociedade se torna mais pobre... Em criança, balbuciar palavras que as mães ensinam é sussurrar nos ouvidos do próprio Deus. O padre Zezinho dizia assim: “o tempo passa, não volta mais, tenho saudade daquele tempo que eu te chamava de minha mãe… nas Ave-Marias que hoje eu rezo, esqueço as palavras e adormeço e embora cansado, sem rezar como eu devo, eu de Ti, Maria, não me esqueço!”

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