domingo, 18 de abril de 2021

Brasileiro: uma alma em busca de identidade

Tinha cerca de 10 anos quando convivi, pela primeira vez, com meninos vindos da serra gaúcha. Chegavam a Pelotas para estágio no Seminário Diocesano, durante uma semana, atendendo ao convite de muitos padres que já eram oriundos daquela região. Mas foi um ano depois que passei a viver, efetivamente, com uma pequena colônia de gringos. 11 anos, faria 12 em junho (idade mínima para iniciar os estudos), e iríamos completar o primário em 17 alunos, sendo 12 de origem italiana. Foi uma escola paralela ouvindo-os falar no “talian”, um dialeto comum em suas famílias.

Por recomendação do Andrei Thomaz Oss-Emer (gringo de origem), assisti ao documentário “Legado Italiano”, admirando a contribuição que trouxeram a uma região inóspita, onde fincaram a vontade de fugir da miséria. Contrariando expectativas de administradores, que preferiam vê-los empregados, especialmente na produção do café, desenvolveram a indústria, gastronomia, turismo, religião, língua e a música. Lembrada no especial com cantigas populares da época, um dos seus legados, que resultaria no cancioneiro romântico que marcou toda uma geração pelo mundo…

O filme mostra o que se quer ver – as belas paisagens, gastronomia, parreirais, a gente acolhedora - e também o fato de que eram os pobres que a Itália queria exportar, sendo que o Brasil precisava como mão de obra. A saga: vindos em embarcações apinhadas, com muitos morrendo pelo caminho, sem uma sepultura digna. E a necessidade de preservarem a união – um destes elos era a própria fé católica – mantendo os costumes de conviverem aos fins de semanas, nas Missas, mas também em refeições típicas (polenta e vinho), jogos, de carta e truco, e os corais – a música em grupos.

Muitos sacrifícios até atingirem a pujança que alcançaram. Tomaram decisões difíceis. Os “bambini italiani” que conheci já eram de gerações que contavam histórias de seus avós, preservando tradições… por exemplo, o fato de que vinham buscar a formação para padre era, em muitos casos, porque os pais não conseguiriam financiar estudos, com eles na roça. Ficavam em casa os mais velhos. Garotas e garotos iam para as casas de formação religiosa em busca de estudo e, quem sabe, de uma vocação. A situação podia ser pior quando precisavam entregar os filhos para adoção!

Não chegara aos anos 1900 e muita gente entrou pela Lagoa dos Patos, seguiu até Porto Alegre e, dali, do jeito que conseguisse, subia para o que sonhavam ser, um dia, o seu lar. As marcas estão nos cercados de pedras em torno das parreiras, os cantos onde ficam amontoadas as lenhas necessárias para enfrentar o frio, as primeiras construções de madeira em que a necessidade muitas vezes fazia com que os filhos casassem e ficassem como reforço da mão de obra. A casa virando um autêntico condomínio. Depois vieram as moradias de pedra e já se julgavam tendo conquistado o futuro…

Falar de cultura, no Brasil, é reconhecer a contribuição de grupos que não marcam a maior parte da população. Alicerça na história e transpira por poros onde se decanta a alma de gente com sangue índio, negro, europeu e oriental... Cada um tendo uma riqueza de valores para auxiliar uma nação jovem e ainda confusa com o próprio destino. Inspirados pelos pioneiros, que deram o último suspiro, voltando o olhar para o pátio, as parreiras, colinas e o infinito. Singraram mares, mas o sonho da eternidade começa pelo lugar onde desbravaram todas as barreiras e plantaram a própria esperança!

Um comentário:

Marco Viana disse...

Muito bom. Um abraço, Manoel Jesus.