Meu pai partiu na quarta-feira - 30 de março. Durante a cerimônia de despedida, disse que tínhamos tido o privilégio de conviver com um homem que, durante 84 anos, nos deu exemplo natural de solidariedade, cumplicidade e bom humor. Depois, durante quase um ano, o Pai Eterno nos testou. Queria saber se, depois de tanto termos sido beneficiados, seríamos capazes de sermos bons filhos, acompanhando todo o processo de tratamento de um câncer e o definhamento que se seguiu.
Seu Manoel não morreu. Ele apagou. Foi perdendo a energia física, sem perder a energia espiritual. Mesmo quando o cuidávamos, o olhar era de quem pedia o possível, quando, em muitas ocasiões, tínhamos que buscar forças extras - de Deus, da solidariedade, da oração dos amigos - para que nossos corpos correspondessem à sua expectativa.
Numa daquelas noites de plantão, minha sobrinha disse que ele estendeu a mão pedindo ajuda. Mas ela já estava cansada das inúmeras vezes que o tinha levantado e estendeu a mão em retorno, como quem diz: por favor, eu também preciso de ajuda. Ele segurou a mão e sorriu.
Na despedida, colocamos em seu caixão seu boné e um relógio de toda a vida. O boné era sua marca, pois o pedia em cada ocasião que deixava a casa. O relógio balançava em seu braço já muito magro, depois de cada banho. O boné era um símbolo de que ele era homem do Mundo e que precisava sair de casa para conviver. O relógio marcava o tempo em que estava vivendo e aquele que o aguardava na eternidade.
A força da nossa família veio dos amigos que nunca nos desampararam. Na despedida, um homem que partia com 85 anos não era apenas alguém que definha e se vai. Era, angustiadamente, alguém que passava a fazer falta: do segurar a mão na madrugada, das inúmeras nebulizações ao longo do dia, ou apenas do beijo, à noite, com um "boa noite, pai". A retribuição, já baixinha, era a resposta: "boa noite, meu filho".
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