Fazia um longo tempo que não caminhava pela calçada da minha quadra. Gostava de ir ao Salão de Beleza, mas sentia falta do Émerson, que, dizia: “tinha acertado com o seu cabelo!”. Também era o caminho para visitar outra amiga, a dona Braulina. Sobreviventes da grife “mulheres guerreiras”, que marcaram gerações por seus cuidados com os vizinhos. Olhava cada uma das casas como rememorando quem ali já viveu e partiu para a Eternidade ou tomou novo rumo na vida. Sempre havia alguém para a acompanhar. Seus passos devagar, na vontade de aproveitar o que a vida ainda lhe dava… e não perder o contado com as pessoas.
Aqui em casa, chegava em algum momento da tarde, todas as semanas. Transformou-se na única visita que não falhava em vir passar algumas horas com a dona França. E, mesmo quando a mãe já não falava muito, ainda assim, contentava-se em sentar numa poltrona próxima e assistirem televisão. No final da vida da mãe, já sentia dificuldades em andar, mesmo amparada por uma bengala. A distância de uma quadra entre as duas casas era percorrida vagarosamente, com algumas paradas, encontrando amigas no portão com quem conversar e, na volta, um de nós a acompanhava até que estivesse em segurança no interior do seu lar.
Durante um ano, eu e a Marli ministramos uma Oficina de Espiritualidade para o Centro de Convivência do Idoso da Universidade Católica. Todas as tardes, quando estava saindo de casa, ela já aguardava a carona no portão. Aposentada em serviços de lavanderia, na Beneficência Portuguesa, tinha uma curiosidade permanente por conhecimentos religiosos. E aqueles momentos eram privilegiados para que percorrêssemos a história do Cristianismo e a tentativa de compreender alguns princípios religiosos. Passávamos a tarde em conversas e reflexões e, já que ninguém é de ferro, encerrávamos com um lanche compartilhado.
A comunidade Sagrada Família a teve por ministra durante longo tempo. Além da preparação das celebrações, atendeu a distribuição da Eucaristia, e esteve presente na formação do grupo de jovens que existiu na vila Silveira, criação do grupo de crianças e catequese. Tinha um “bichinho carpinteiro” e, muitas vezes, foi a incentivadora para que se fizessem excursões aos mais diferentes lugares. Sua casa transformou-se, naqueles tempos idos da década de 80, em lugar de referência para reuniões religiosas, mas também serviu para organizar algumas demandas sociais da comunidade ou jantares festivos.
Emocionante ver, em tardes de sábado, passarem empurrando a cadeira de rodas da sua mãe, a vó Amélia, em direção da igreja da Sagrada Família. Um trecho era asfaltado, mas havia percurso em chão batido, porém as dificuldades não os preocupava. Ao contrário, a distância ia sendo percorrida e outras pessoas que faziam o mesmo trajeto somavam-se ao trio, com crianças e jovens, e quando chegavam à porta da igreja, em muitas ocasiões, era uma autêntica procissão de pessoas bem-humoradas, bem-dispostas e preparadas para celebrar pelo sentimento de que chegaram e viviam o espírito de comunidade.
Depois de uma cirurgia cardíaca, um AVC e o covid, silenciou... A última vez que telefonou, em seguida desligou. Retornei e informaram que tentou ligar. Disse que ligasse quando quisesse, mas não ligou, não vai ligar mais. Em crônicas registrei pessoas que fazem falta. A Maria é uma delas… partiu sem a chance da última conversa, com sensação de tristeza e deixando uma trilha de saudade. As “marias” que partem fazem o existir ter sabor de luto eterno. As marcas de uma fronteira da alma, onde a vida teima em mostrar as nossas fragilidades e de que, querendo ou não, em algum momento, é preciso tomar o rumo da Eternidade...
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