Acordávamos pela manhã com músicas, tocadas pelo padre Guerino. Em muitas ocasiões, com o cancioneiro italiano. Corria a segunda metade da década de 60 e as canções que passavam pelos festivais - especialmente o de San Remo - popularizaram cantores como Domenico Modugno, Gianni Morandi, Sergio Endrigo, Peppino di Capri, Gigliola Cinqueti e tantos outros. Seu romantismo dominava o mundo e não éramos indiferentes... Depois veio o padre Olavo Gasperin e as suas audições musicais, nos finais das tardes de sábado. Nem precisa dizer que era de origem italiana e conseguia, ainda com a Casa Beiro de Discos, os lançamentos, fazendo um apanhado e refinando nosso paladar cultural.
No apagar das luzes daquela década, Roberto Carlos fez parceria com Sergio Endrigo e cantou no festival de San Remo, apresentando Canzone Per Te. Foi como chegar a final num dos grandes campeonatos de futebol. A torcida e o resultado: Roberto cantou, encantou e levou o troféu. Não se deu o mesmo quatro anos depois
, quando apresentou Un Gato nel Blu. Estávamos equipados com radinhos de pilha e varríamos as ondas curtas em busca do sinal da RAI Itália, que transmitia os espetáculos e chegava oscilante, havendo momentos em que se escutava "perfeitamente" (para então), ou ia morrendo lentamente, até sobrar a estática, um ruído irritante e abafado.
As canções italianas chegaram aos bailinhos da década de 70, quando embalavam os flertes e alguns namoros mais sérios. O italiano macarrônico de que se dispunha (já era tempo em que se pensava em aprender inglês e, até, um pouco de francês, mas não passava pela cabeça aprender italiano), servia para que se virasse papagaio de pirata e repetisse no ouvido das meninas algumas palavras ou frase de sentido desconhecido. Engraçado, Gigliola Cinquetti, em 1966, cantou Dio, Come Ti Amo. Nos meus tempos de seminário, confesso, pensava que era uma declaração a Deus... somente mais tarde, fui entender que era a intensidade com que se estava, como se dizia, enamorado por alguém...
Para nós, os mais velhos, são músicas que não morrem. Fizeram a diferença em muitos momentos. Repaginadas, as encontrei em festas, formaturas, bailes e, imaginem só, até em funeral. Letras inspiradas e melodias envolventes que serviram para que surgisse no Brasil uma série de cantores que fizeram versões, muitas vezes sequer respeitando os originais. Ou surgiram brasileiros capazes de interpretar com maestria como Zizi Possi e Délcio Tavares. Hoje, quando ouço uma playlist feita no computador ou no smartphone em que recupero todo o romantismo de uma época, tenho que agradecer a Deus por ser privilegiado... Em tempos de sofrência, recorro à informática para salvar meus ouvidos...
Vivi neste o tempo em que ouvia, ainda na vila Silveira, músicas tocadas pelas torres dos cinemas que chamavam para as sessões, especialmente matinés de domingo, arranhando os discos de vinil, ou as grandes paradas de sucesso; fui privilegiado em ter o bom gosto musical de pessoas que me iniciaram no conhecimento da cultura e os sabores da comida italiana. As mudanças eram inevitáveis, pois começavam a rodar as músicas dos Beatles e dos Rollings Stones, que criavam um novo jeito de "embalar o esqueleto". Mas ainda havia o romantismo de se desacelerar luzes, o som e dançar devagarinho com o gosto de que o tempo era apenas um dos muitos detalhes que teríamos que enfrentar pela frente...
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