domingo, 21 de junho de 2020

O silêncio e o mistério de um "amei"

Quando o Emerson (cabeleireiro) ainda trabalhava próximo de onde moro, era comum meu cunhado Roberto bater aqui e perguntar: "onde é que tá a tua irmã (a Leonice)"? Brincando, respondia: "na tenda dos milagres". Na primeira vez, a expressão dele foi de surpresa, até que expliquei: ali onde as mulheres fazem o possível e o impossível para ficarem mais bonitas... Mal sabia que, em seguida, a "tenda dos milagres" migraria para minha casa, capitaneada pela Roberta e a Renata e tendo o Pedro por mascote...
Em seguida, o Emerson também veio e instalaram-se por aqui alguns dos maiores "feiticeiros" da beleza de Pelotas. Confesso que já vi de tudo entrando e saindo daquele salão... Na certeza de que se há muito da procura pelo elemento estético, há casos em que um tapa no visual significa um novo jeito, uma nova postura diante da vida. Numa tarde de chuva, fiquei encantado com a senhora que, antes de atravessar a rua tomada por água, voltou-se e registrou em alto e bom som: "amei!"
Uma única palavra para exteriorizar tantos sentimentos. Dita das mais diversas formas, com as mais diferentes expressões e com maior ou menor intensidade, abrevia expressões que estão nos fazendo falta como "eu te amo", "te amo", "meu amor"... Neste caso, o simples reconhecimento de que um trabalho bem feito é mais do que uma atividade profissional, transforma-se num gesto de carinho, naquela conversa enquanto se está na cadeira e se faz uma fofoca, se trocam confidências, enquanto se relaxa e aproveita um espaço de sanidade mental.
Um amigo está aprendendo a ser afetuoso com o pai através do abraço. Disse-lhe que ainda faltava beijar e dizer "eu te amo". Contei das minhas pequenas vitórias ao receber o primeiro abraço e, depois, o primeiro beijo de meu pai. Uma construção difícil que se concretizou com ele já bem fragilizado. Mas que o seu período de vida não tinha sido suficiente para lhe dizer o quanto o amava... Somente depois disto passei a expressar para minha mãe. Foi um tempo especial em que poucas palavras e muitos silêncios faziam toda a nossa comunicação...
Prostituímos o sentido de palavras como "democracia", "humildade" e "amor". A primeira, ao invés de ser a defesa dos interesses da maioria organizada passou a ser suporte de atividades escusas de grupos; a segunda, que é a capacidade de reconhecer as próprias virtudes, assim como as dos outros, mas também defeitos próprios e alheios, passou a ser simulacro de simplicidade afetada. E a expressão maior das relações humanas - o amor - reduziu-se ao ato físico sexual (fazer amor) e perdeu a sua real conotação de doação, entrega, confiança.
É comum a gente escutar que um simples "amei" ou "eu te amo" é bobagem, já que as pessoas sabem e não precisam ouvir. Nada mais falso: não é somente aquele a quem me dirijo que preciso atingir. Quem está com medo de não saber usar adequadamente as palavras ou não ser correspondido é quem tem que expressar seus sentimentos. E tem medo do silêncio e do mistério que o outro abriga. Ainda tenho muito o que aprender e fazer: já disse para muitos, mas faltam pessoas que - tenho certeza - merecem ouvir um "eu te amo". E ter coragem de voltar os olhos agradecidos - em qualquer situação - e apenas dizer: "amei"! Pra que mais?

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