domingo, 1 de novembro de 2020

Um caminho de muita saudade...

A memória dos mortos, no dia de Finados, é celebrada de forma diferente por diversas culturas. Quem assistiu "Viva, a vida é uma festa", teve uma ideia de que os mexicanos mantém uma tradição indígena de  celebrar seus ancestrais, honrando os já falecidos. Conta a tradição que os mortos visitam parentes, sendo recebidos com comida, música e doces preferidos. As pessoas fazem máscaras de caveira, vestem roupas com esqueletos pintados ou se fantasiam de morte, incluindo
crianças e idosos.

A tradição portuguesa é diferente: celebram-se cultos e visitas são feitas aos cemitérios para colocação de flores e acender velas. Da mesma forma que os velórios e enterros, pranteia-se a ausência e se recolhe de forma mais sentida e entristecida. É o hábito cristão de dedicar um dia para rezar e homenagear os mortos, que remonta ao século V, mas foi no século XIII que o dia dois de novembro passou a ser o Dia de Finados.

Preparando a crônica de domingo, queria olhar para outras realidades antes de falar a respeito dos meus falecidos. Já tinha me impressionado com o personagem Miguel, da animação "Viva, a vida é uma festa", que para realizar seu sonho precisa entrar no mundo dos defuntos - mas muito vivos! - e resgatar a história da sua família. Não tinha me dado conta do quanto o filme é, do seu jeito, o retrato de uma cultura da morte, olhada por outro ângulo, e capaz de influenciar populações mais pobres de diversos países.

A primeira lembrança foi de que, logo que a mãe morreu, seguidamente, vizinhos falavam do quanto admiravam ver meus pais passearem pela manhã, na sua caminhada diária, observando, cumprimentando e conversando com os mais antigos. Reviviam fatos de mais de dez anos (tempo em que o pai faleceu). Mas que as recordações eram tão marcantes que pareciam ainda fazer o mesmo trajeto, sem pressa e dispostos a um dedo de prosa antes de voltar para casa e tomar seu chimarrão.

Há uma lista na memória para se relembrar: parentes, amigos, vizinhos, conhecidos. Um caminho por onde se faz história e, aos poucos, vai-se deixando companheiros e companheiras. Novos chegam e nos acompanham, mas o sentimento é de perda e de que não há como compensar a ausência. Toda a euforia do início da jornada dá lugar ao sentimento de que se está mais perto do fim e que é necessário tomar consciência de que, também para nós, há um tempo em que todo o andarilho conclui sua jornada.

Um caminho de muita saudade... Confesso: gostaria que a vida, assim como a morte, fosse sempre uma festa... O dever cumprido - e novas gerações tomando nossos lugares - indicam que se viveu bem. Talvez nossos mortos não participem do reencontro entre os dois mundos, para que a gente conte coisas em que eles não acreditarão e nos encantem com o que nos espera. Até lá, o melhor é cuidar dos vivos e deixar que os mortos cuidem dos seus. Afinal, é preciso viver, pois a vida pode ser, sim, uma festa!

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