Depois que publiquei a crônica de domingo, falando sobre minha experiência político-partidária, especialmente com o saudoso Bernardo de Souza, tive reações diversas: de quem não sabia que eu havia trabalhado na prefeitura, dos que achavam que eu sempre trabalhara na Igreja e na Universidade Católica, mas também aqueles que foram ainda mais longe nas lembranças, boas lembranças, de um tempo privilegiado em que - jovem - se vivia o fim do regime militar e passar dos anos 2000 era apenas um sonho.
Antes, refleti sobre as lembrança dos mortos e recolhi da Neca Silva: "em criança, acompanhava a mãe ao cemitério e, enquanto ela limpava o mausoléu, eu ia, fascinada, para uma estátua de Jesus, imensa, e ali ficava... sentava em seu colo e conversava. A família do túmulo me conhecia e admirava o quanto eu gostava dali. Quando vou a Dom Pedrito, rezo para meus pais e irmãos, mas, na saída, meus pés traçam o caminho até aquele Jesus, não sento mais em seu colo, mas o coração bate forte".
Numa sexta-feira pela manhã, o casal Lupi e Kátia passaram pela minha casa pois iriam sair com o pai dela, viajando para Piratini. Na passada, deixaram um pão feito em casa, que o Lupi insiste em dizer que foram os dois que fizeram (mas eu ainda creio mais na Kátia...). Como pouco pão, então, reparti um pedaço com a Roberta e o filho, o Pedro, meus vizinhos. No dia seguinte, trocamos impressões: a Roberta dizia que o pão lembrava aqueles que eram feitos pela sua avó... eu lembrava dos que o meu pai fazia...
Andanças por caminhos dos cemitérios mostram o quanto é importante encontrar uma forma particular de viver com aqueles que permanecem ao nosso lado. A pandemia - e a própria vida social - nos priva do convívios de familiares e amigos. Os que se foram são vozes que vêm com as lembranças parecendo que a proximidade física de então se transforma em algo mais profundo: a proximidade espiritual. Uma questão de fé: a sensação de que o Universo, de alguma forma, ainda nos liga e aproxima.
Um simples pedaço de pão levou a Roberta à casa da avó e aos tempos em que conviviam. A mim, momentos em que meus sobrinhos vinham à tarde para o café e o pai assava um pão, preparando rodas de carreta ou bolinhos de chuva. Iniciava pelas massas, sovadas e estendidas sobre uma pedra. As frituras eram feitas dentro da churrasqueira, mas ao abrir o portão já se sentia o cheiro de gostosuras, assim como o de café sendo passado...
Os caminhos da saudade levam pedir colo, como conta a Neca, para se aconchegar, nem que seja a uma estátua com a representação de Jesus. Cheiros e gostos ficam impregnados nas lembranças e parecem repetir sorrisos e abraços que estão ausentes de nossas vidas. Não causam dor, mas uma tristeza contida, mesmo que, algumas vezes, uma lágrima percorra as marcas que o envelhecimento deixou em nossos rostos. Onde "o coração bate mais forte" e se continua a luta para fugir - e entender - a própria solidão...
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