terça-feira, 24 de agosto de 2021

As aspas do preconceito e da deficiência

A Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla deste ano iniciou dia 21 e vai até 29 de agosto. Com atividades por todo o país, teria chamado a atenção apenas de pais, amigos e educadores da área, não fosse uma declaração infeliz do ministro da Educação, Milton Ribeiro, de que crianças com deficiências atrapalham os demais alunos em sala de aula. Foi tentar se explicar e complicou ainda mais ao relatar que 12% das crianças com deficiência que estudam em escolas públicas têm um grau que impossibilita a convivência com outros alunos.

O próprio site do ministério da Saúde registra que a Semana “visa ao desenvolvimento de conteúdos para conscientizar a sociedade sobre as necessidades específicas de organização social e de políticas públicas para promover a inclusão social desse segmento populacional e para combater o preconceito e a discriminação”. Parece que o ministro não leu esta parte e, se leu, não entendeu… Quem sabe uma das crianças com deficiência, que lhe mandaram cartas, ajude no seu discernimento. Uma delas chegou a afirmar: “ministro, o senhor atrapalha o Brasil!”

Os meios de comunicação mostram matérias que demonstram o quanto estamos atrasados em atender a pessoas com deficiências físicas ou intelectuais. Somam-se, ainda, as deficiências adquiridas com a idade, que colocam no mesmo patamar de um cadeirante ou deficiente visual, no acesso a calçadas, ingresso em áreas ou serviços públicos. Cuidados que as administrações das cidades precisam ter, mas que também necessitam da solidariedade de todos nós em coisas simples, como a gentileza, a orientação e a atenção com quem precisa andar pelo leito de uma rua.

O desconhecido ministro da Educação foi infeliz ao falar sobre as crianças com algum tipo de deficiência. O direito, no que é elementar para que todos tenham condições semelhantes, é oferecer oportunidades, não para igualar diferentes, mas para que possam realizar suas potencialidades. Alguns precisam ser atendidos por primeiro, exatamente como responsabilidade dos poderes públicos, oferecendo as estratégias necessárias para que não precisem abandonar seus sonhos, nem serem enjeitados pela sociedade e suas lideranças, mas acolhidos e compreendidos na sua diferença.

O ministro refez seu comentário dizendo que “atrapalha” seria entre aspas. Com ou sem aspas, é uma expressão preconceituosa, própria de adultos. As crianças não possuem este problema e, para elas, crianças são apenas crianças, com as quais vão brigar, testar seus limites, discordar... Tornam-se preconceituosas quando adultos incutem nos seus valores a discriminação de quem é diferente porque possui deficiência física ou mental. As experiências pedagógicas mostram que a inclusão se dá naturalmente quando os “maiores” não atrapalham e deixam o processo de socialização fluir.

O pensamento de que uma criança assim, na escola, atrapalha é tecnicista, descartou a compreensão do processo de educação. Crianças não nascem com manual que dita a montagem e o seu uso. Surpreendem desde as primeiras palavras, os primeiros sorrisos, balbucios, os dedinhos percorrendo nossos rostos… Não importa quantas vezes ao longo dos seus primeiros anos – e da vida – necessitem ser protegidos, terão avós, pais, tios sabendo que, se for necessário, os tomarão no colo, na busca por colocá-los em lugar seguro. Isto, se políticos e tecnocratas não atrapalharem…

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