Das minhas lembranças de infância, início da década de 60, uma diz respeito às vésperas das festas de final de ano, quando vizinhos acampavam na praia – no Barro Duro. Quase sempre, a mãe e meus irmãos iam de carona. Ficava com o pai e, encerrado o atendimento no armazém, saíamos a tempo de passar a meia-noite. Não existia a avenida Ferreira Viana e se passava pela Domingos de Almeida. Lá estava o casarão do Instituto, em que, de longe, se via a fachada lateral com o desenho de duas crianças, a maior levando a menor nas costas e o slogan: “ele não pesa... é meu irmão!
Depois, quando ingressei no Seminário Diocesano, descobri para que servia. Era um internato, o que significava que os meninos ficavam permanentemente na casa, recebendo educação formal, mas também o aprendizado de uma profissão. Ao longo dos anos, conheci muitas pessoas que venceram na vida porque aprenderam ofícios como marcenaria, gráfica, tecelagem (malharia). Crianças em situação de risco, especialmente do fundo do Areal, em alguns casos rejeitadas pelas famílias e, em outros, quando os próprios parentes pediam ajuda para conseguir lhes dar uma educação...
Durante bom tempo, seu principal incentivador foi exatamente quem hoje lhe dá o nome: dom Antônio Zattera. O então bispo de Pelotas viajava em busca de recursos que ampliaram o atendimento do Instituto e ergueram a Universidade Católica. Tinha como passatempo fazer slides. As “vítimas”? Nós, seminaristas, que dormíamos com as galinhas (e acordávamos com elas). Depois das viagens, telefonava avisando que viria mostrar o resultado. Após a apresentação, éramos “agraciados” - em meio ao sono - com a reza de um Terço, ajoelhados no chão do refeitório…
Muitas histórias passaram por debaixo desta ponte… mudanças educacionais e financeiras tornaram quase impossível o regime de internato. A adaptação era necessária, num tempo em que a economia jogou ainda mais famílias para a pobreza e a miséria. Durante algum tempo, o prédio parecia estar dando o seu adeus... aumentou o número de bocas para alimentar e, em plena pandemia, o IMDAZ (Instituto de Menores Dom Antônio Záttera), como é chamado, se reinventou e atendeu não somente aos menores, mas também às suas famílias e àqueles que precisaram bater à sua porta.
“Ele não pesa… é meu irmão!” continua lá, com um apelo diferenciado: precisa da nossa disposição de ajudar. Verdade que o atendimento desta parcela da população deveria ser obrigação do estado. Mas, enquanto isto não acontece, as “forças vivas” da sociedade precisam se mobilizar. Em tempos de dificuldades, negar a continuidade deste trabalho é reconhecer que a sociedade falhou uma vez. Repete o erro se não propiciar condições do retorno de quem não tem noção do seu peso social, precisando de solidariedade e atenção para não ter que desistir do direito ao seu próprio sonho...
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