domingo, 10 de janeiro de 2021

A neblina, a cerração e o silêncio…


O Cláudio Carrasco, da Padaria Estrela, postou foto no sábado (9), feita pela manhã bem cedo, momento em que se formava o nevoeiro característico de Verão, quando vale o dito popular de que “cerração que baixa é sol que racha!”. Brincou que parecia “clima londrino em satolep” (para quem não está acostumado com pelotentismos: Pelotas, ao contrário). O suficiente para recordar manhãs/madrugadas em que saia para o trabalho ou estudar e escolhia a região onde logo vai ficar o Quartier, com o astro rei encoberto e se contavam os palmos que se enxergavam diante dos olhos…

No Seminário Diocesano, avenida dom Joaquim com Fernando Osório, o horário que precedia as aulas era tempo para observar o movimento difuso em que carros pareciam riscos na penumbra e pessoas eram borrões que iam tomando forma na medida em que se aproximavam. As casas ao redor ficavam esmaecidas, assim como os antigos eucaliptos mantinham-se inertes, abrigando os ninhos das caturritas, que também respeitavam o ritual de um momento em que o dia ainda não despertara e haveria muito tempo para toda a sua algazarra que somente finalizaria ao anoitecer.

Mas, também, de outros efeitos com a luz, em tempos bem mais antigos, quando ainda se dependia de lampiões, na ausência da energia elétrica, para as atividades domésticas e o convívio social. No início da década de 60, as lanternas praticamente não existiam. Em alguns casos, o deslocamento nas ruas se dava pelo acompanhamento de um lampião. Lembro de três: o comum e o Aladim, em dois modelos – a querosene e a gás. Na nossa casa, existiam dois, um fixo no bar e armazém do seu Manoel, abastecido com gás, e o outro na cozinha, um modelo mais comum à base de querosene.

Num dia da semana, o pai encerrava o trabalho mais cedo e ia jogar cartas na casa do seu Borges. Saíamos em procissão pela rua escura e, na ida, ainda com algum movimento. O lampiãozinho valente era um “farol” que passava por diversos concorrentes de todos os portes e tipos. Mas havia um alívio quando dobrávamos a rua e enxergávamos a família inteira aguardando. O difícil era a volta: em muitas noites, baixava uma cerração que não permitia ver o coqueiro (que na verdade era um butiazeiro), no meio da rua, marcando a metade do caminho…

Nem é preciso dizer que o coqueiro era assombrado e, para as crianças, passar por ali, mesmo com os pais, tarde da noite, era ato de valentia que se contaria aumentando a história no dia seguinte, na escola. As sombras se tornavam mais densas pela escuridão e pelos medos. Na rua vazia, outro lampião vindo em sentido contrário poderia ser um fantasma, uma alma penada, o Saci, a Bruxa sem cabeça… ou um vizinho perdido na noite! Todas as nossas diferenças ficavam para trás e a gente só se desgrudava quando alcançava a porteira ao lado da casa e dava um suspiro de alívio.

A neblina antes do aparecimento do sol, lembranças da cerração na noite, propiciam momentos de intimidade e de silêncio. Tempo para a oração; meditar a própria pequenez; refletir realidades sociais que nos envolvem e, muitas vezes, condicionam… Somos a mistura de silêncios, pequenez, singularidade de virtudes e defeitos. Prontos para abrir o coração e mergulhar nos significados que a natureza oferece. Não se pode desistir de caminhar pois, enquanto apenas se escuta os próprios passos, é exatamente quando se alcança o sentido de ser e de fazer alguém feliz…

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