O Lorenzo é daquelas crianças vivas que, quando chego no muro para um papo com seus pais – o Marcos e a Nice – dá um jeito de fazer parte da conversa. Passei a chamá-lo de “formiguinha” e ele, prontamente, rebateu me chamando de “formigão”. A mãe achou demais e tentou acertar o tratamento, pedindo respeito. Olhou-me com a serenidade da inocência, e corrigiu: “seu formigão”!
O Lorenzo faz parte de um grupo de crianças de língua afiada, com presença de espírito para rebater com humor as provocações. Outro dia, ao invés de “formiguinha”, chamei-o de “feioso”. Olhou pra mim e corrigiu: “feioso, não, formiguinha”. Junto com o Bernardo e a Júlia completam quatro anos, com o direito de frequentar uma escola pública, com tudo aquilo que, especialmente os pais, sabem serem benefícios: convívio social, aprendizado, abrir novos horizontes.
Mas não foi fácil. Todos tiveram que batalhar por uma vaga. No que muitos pensam ser um privilégio, mas que não é, apenas o cumprimento de um dos direitos constitucionais. Ao chegar nesta idade, os pais não deveriam ter a preocupação se teriam ou não um lugar garantido, mas apenas exercer seu direito. Não é assim. Hoje, no Brasil, cerca 2,8 milhões de crianças estão fora da sala de aula.
Porquê? Simples, os pais se preocupam, mas o Estado não cumpriu seu papel: planejar e colocar recursos à disposição. Onde está o dinheiro? A verdade o senhor e a senhora estão vendo todos os dias: no bolso de políticos e administradores sem escrúpulos, que negam direitos para usufruir de mordomias.
Num noticiário, jurista defendia penalizar políticos e administradores de forma mais contundente para não serem tentados a desviar recursos dos cofres públicos. Citou exemplo de pena com reclusão de 10 anos. A forma diferenciada manteria na cadeia o criminoso pelo dobro do tempo, devolvendo o que desviou, com correção.
O Lorenzo, o Bernardo e a Júlia tem país alertas, dispostos a correr atrás e lutar por seus direitos. Mas há aqueles que a sociedade degradou para as periferias e não têm nem voz, nem vez. Lutar contra a corrupção e a impunidade – em todas as instâncias e em todos partidos – é ajudar as crianças a recuperar a dignidade.
Rubem Alves pediu a mudança de referencial: educação correta ensina às crianças que “manter a dignidade é mais importante do que juntar dinheiro”. Não deixar que morra a energia da infância e a confiança de que os adultos cuidam para lhes dar um futuro feliz é preparar os cidadãos que podem fazer uma sociedade diferente.
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