Seguidamente falo a respeito de minha mãe – dona França ou Francinha, como preferirem. Chegando aos seus 92 anos, saúde frágil, necessita de cuidados redobrados, muita paciência e disposição para seguir os tratamentos convencionais e outros não tão convencionais assim.
Alimentos, por exemplo, é algo que pode dar certo num dia e, no outro, provocar revolta no estômago e até a sua devolução. Em cada situação, uma estratégia. Ajudados pela medicação natural da irmã Assunta, saber quando precisa controlar a tosse, evitar as secreções e recuperar o ânimo.
É preciso sintonia com as coisas mais elementares. Numa noite em que o alimento corria o perigo de ser devolvido, a Denise insistia que respirasse fundo e levantasse a cabeça. Durava um instante e voltava a se inclinar, tornando perigoso o refluxo.
Foi quando a cuidadora chamou a atenção: “olha a lua!” Até eu levantei a cabeça. Só depois me dando conta que ainda era cedo para que o astro aparecesse no céu. Mas ajudou a que mantivesse a cabeça erguida com os olhos buscando pela janela uma Crescente já marcada pelos ares de Outono.
Ficou como bordão. Cada vez que se desejava motivar para evitar um desastre, a Lua era invocada. Quando a mãe se deu conta, mesmo assim continuou a erguer a cabeça, agora com um sorriso de quem já havia entendido, mas participava da brincadeira.
A velhice pode ser um tempo longo demais quando não se encontra pequenas motivações e o carinho desejado. As visitas são boas. Mas podem ser inconveniente quando acham que podem dar todas as receitas porque já viveram ou ouviram falar de situação semelhante.
Hoje são poucos aqueles que ainda convivem com a dona França. Creio que sente falta, especialmente dos familiares e amigos, mas não diz nada. Quando se faz a pergunta, dá o mesmo sorriso com que mostra que entendeu o sentido do “olha a lua!”, mas sabe que a vida está passando e que as pessoas fizeram outras opções.
Conviver com a velhice exige que se aprenda com as próprias fragilidades. Não há receitas aplicadas aos idosos de forma geral. Descobrir a identidade, a própria individualidade é o jeito de antever a finitude que se coloca no nosso próprio horizonte.
O padre Fábio de Melo brinca: “ao envelhecer precisamos ter alguém que nos leve ao sol. Mas, tão importante, é que saiba o momento certo de nos recolher”. Rezar para que um dia alguém sorria estendendo uma colher com gelatina, uma fruta esmagada e um complemento alimentar e diga: “olha a lua!” Parece pouco, mas faz a diferença entre sentir-se esquecido ou pura e simplesmente ser amado! (Na foto, um dos seus grandes prazeres: a presença dos netos e bisnetos)
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