Foi num programa sertanejo: o garoto, dos seus 15 anos, perguntou à apresentadora se poderia lhe pedir a bênção. Parei o que estava fazendo para voltar aos meus tenros anos vendo aquele menino inclinar-se, tomar a mão estendida e beijá-la. Tive que sorrir e regressar no tempo, pois quando acordávamos, ou quando se acendia o lampião, prontamente nos dirigíamos ao pai e à mãe para pedir “bênção”, obtendo como resposta: “Deus te abençoe, meu filho”.
Uma lembrança ingênua, causada por um programa de músicas com cheiro de terra, onde o tratamento é simples, cordial e respeitoso. Claro que não poderia deixar de estabelecer a comparação com aquilo que hoje temos, quando, muitas vezes, sequer um “bom dia” se dá àquelas pessoas pelas quais se passa. A pressa, a necessidade de concentrar atenção em algumas atividades, ou até a falta de costume, fez com que deixássemos de lado hábitos tão saudáveis, que mantinham relações de afeto e de autoridade, não estabelecidas pela formalidade, mas pelo convívio.
Fui lembrando, também, o final de uma Missa, em que o padre, quase se desculpando, disse que todos aqueles que desejassem poderiam ficar para uma bênção especial pela saúde. Ninguém foi embora e achei interessante que algumas pessoas mais velhas chegaram a entrar duas vezes na fila! O próprio padre me disse que achava que fossem poucas as pessoas que ficariam, mas não se deu conta de que elas têm carências e a bênção supre um momento especial da relação entre elas e o Divino, numa forma bem concreta, na reminiscência, especialmente para os mais idosos, de sua vivência nos primeiros anos de vida.
Já tenho falado a respeito em artigos e palestras que as igrejas se distanciaram de atos concretos que envolvem a gestualidade, ficando cada vez mais intelectualizadas. Esquecemos que também temos um pé na África e que, embora inicialmente envergonhados, todos nós gostamos do balanço de uma música, de uma gestualidade mais viva e de uma bênção, em qualquer momento e por qualquer razão ou desculpa.
O ritual da Igreja Católica é rico em elementos que, muitas vezes, na prática, são perdidos, em qualquer destas áreas. Mas fica sempre a lembrança de momentos como o do menino cantor, ou o susto do padre pelo número de abençoados, em que nos defrontamos com as carências humanas. E as carências humanas são, historicamente, as mesmas, talvez adquirindo outras formas, mas continuam sendo a sede de quem vive sentindo saudades do Infinito.
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