terça-feira, 26 de março de 2024

A Inteligência Artificial, a raposa e as uvas...

Em 1970, completava 15 anos. É desta época as minhas mais remotas lembranças de preocupação com novas tecnologias. Acessávamos televisão com um número reduzido de canais, rádio em AM (amplitude modulada), algum jornal e revista de vez enquanto, e o cinema. Raramente, apareciam circos e teatros populares. Naquele ano, aconteceu a Copa do Mundo de Futebol e ganhei o primeiro radinho de pilhas, com fones, embora se preferisse andar com ele colado ao ouvido, especialmente nas partidas de futebol.


Olhava-se para o futuro sem muita expectativa. Parecia difícil se ultrapassar os anos 2000. Faltavam 30 anos... eram muitas águas passando! Pois elas vieram e se foram. Neste meio tempo, concretizou-se a maior revolução que a comunicação já teve. Os meios convencionais se expandiram, somando-se à informática, internet, robótica, holografia e, finalmente, a Inteligência Artificial. Talvez se tenha dificuldade em dizer o que vai acontecer, mas é preciso reconhecer que fomos, literalmente, atropelados.

Meu gosto por produção de texto levou a sonhar com o computador e as alternativas que oferecia à máquina de escrever. Graças a isto, cheguei a professor em Comunicação Social na UCPel. Novidades se empilhavam. Mais importante do que estar atualizado, foi ajudar alunos a terem noção crítica do que era necessário para desempenhar suas atividades. O encantamento precisava dar lugar ao profissionalismo. Discernindo o meio como instrumento potencializador da sua proximidade com o público leitor.

Aposentado, passei a compartilhar textos por jornais e redes sociais. Infelizmente, depois de um tempo, o próprio leitor se acostuma em receber periodicamente as produções e deixa de comentar. O que é pena, pois quem escreve necessita de um retorno como forma não somente de “acariciar seu ego”, mas de avaliação da qualidade, clareza e compreensão do que produz. O período da pandemia foi o ponto alto do feedback dado pelos leitores que, estando em casa, tinham mais tempo para interagir.

Quando o Google fez seus primeiros experimentos, passei a utilizar o “Bard” e, depois, veio o “Gemini”. Aprontava um texto e já submetia à Inteligência Artificial que faz uma dissecagem, análise do conjunto, com sugestões de interpretação e da forma como pode ser utilizado pelo leitor. É tudo o que se deseja de um amigo “vítima” dos nossos textos quando se quer outra opinião, de quem se debruça sobre o que se produziu e se tem a expectativa do que pode acontecer ao ser publicado, depois de deixar nossas mãos...

Meu caso com a Inteligência Artificial é recente. Reconheço as críticas, mas exploro as potencialidades. Assim como o emaranhado mundo dos computadores, não sei o que se passa na teia de neurônios de cada leitor. Não custa repetir: a Inteligência Artificial é mais um dos meios colocados à disposição das pessoas para que se possa viver melhor. Ao longo da história, os detratores das novas tecnologias parecem como a raposa de Esopo, andando por debaixo da parreira, sem conseguir alcançar as uvas, que estão lá, viçosas e cheirosas. Simplesmente resmunga: “não as quero, elas estão verdes!”

sexta-feira, 22 de março de 2024

A ousadia de se perder na aventura

A lua deixa rastros

Com marcas na ondulação das águas.

Tempo de espera.

As redes estão postas.

O pescador abre o baú das memórias do mar,

Que conhece aqueles que tomam seu

Pulsar como bússola norteando destinos...

 

As lembranças se enfileiram

No breu da noite, onde se turva

O encontro entre o céu e o oceano.

Mergulhas

E, na volta à superfície,

Há um leque de luz

Em que a Lua dá contornos

Ao silêncio que murmura a melodia das marés.

 

As estrelas observam,

Com ciúmes das sereias

Que brincam ao teu redor.

Se ouvires o seu canto,

Não protege os ouvidos.

Deixa-te levar pelo encantamento.

Quando atraem um homem do mar

Sinalizam um farol

Que não ilumina o fim do caminho,

Mas o norte para o aventureiro.

 

No momento em que não houver sequer

Um ponto de luz no horizonte,

Saberás que ali começa um outro mundo,

Na imensidão em que ficaram traços do Infinito.

É o lugar onde,

Quando alguém se despede,

Fica a certeza de que,

Um dia, haverás de reencontrá-la.

 

Como uma oferenda que se entrega ao mar.

Ao terminar a terra dos homens,

Inicia o teu lugar do aconchego.

O porto que referencia chegadas e partidas.

 

Tão logo teu barco quebre

As primeiras ondas em direção ao desconhecido,

Superam a rebentação e

Te aspergem com as bênçãos das marés.

Terás as gaivotas por companhia,

Parceiras na busca pelo alimento

Do corpo e sentido da vida.

 

O olhar absorto ao longe

Chama para

Emergir dos teus sonhos.

Não te importa.

As lágrimas que mareiam teus olhos

Têm o gosto do destino.

A ousadia de quem se perde na aventura e,

No mar, traça o rascunho da própria vida!

terça-feira, 19 de março de 2024

A palavra prostituída

Aqueles que ainda não se cansaram da guerra entre Israel e o Hamas (quem ainda presta atenção à disputa entre a Rússia e a Ucrânia?) atenta para lances que parecem contraditórios, beirando o deboche. É o caso da chamada “solidariedade” internacional em que o primeiro mundo define estratégias para lançar alimentos aos já combalidos e desesperançados palestinos, sem reconhecer que é de seus países de onde vêm as indústrias armamentistas que, no caso, angariam riquezas às custas da desgraça alheia.


Nos bancos escolares, trabalhava com os alunos algumas “palavras prostituídas”. Pode parecer forte, mas é a verdade. Muitas delas foram despojadas do sentido original e passaram a significar coisas completamente diferentes. No caso, “solidariedade” é ato de cuidar de alguém (ou de um povo). No xadrez dos interesses geopolíticos é estratégia de vender a imagem de que se preocupam, sabendo que, em muitos casos, o programado não se tornará realidade, o que não importa, já que ganhou a grande mídia...

Tão triste quanto “avacalhar” o sentido de solidariedade é o que fizeram com a palavra “amor”. Não importa a definição que se dê (e sequer sei se a definição é tão importante assim), é o sentimento de interação entre dois espíritos que passam a necessitar da presença um do outro. Formando casais, amizades, relações familiares... Não importa. O que não pode é ser banalizado para apenas “fazer amor”, como se o ato sexual sugasse toda a energia e monopolizasse o sentido. Também pode ser ato de amor, mas não só...

O papa Francisco tem alertado para a prostituição da palavra “democracia”, sobre a qual falei, aqui, no texto “é possível a amizade social de Francisco?” Transcrevia: “qual significado tem hoje palavras como democracia, liberdade, justiça, unidade? Foram manipuladas e desfiguradas para utilizá-las como instrumento de domínio, como títulos vazios de conteúdo”. A “democracia” tem sido “boa” para grupos que ambicionam o poder pelo poder e que lutam com unhas e dentes para manter seus privilégios.

Trabalhei durante algum tempo com uma das mais belas áreas do processo de comunicação com interação nas áreas da economia e da administração: o “marketing”. Usava como conceito básico ser “a arte do convencimento”. Defendia que apenas “marqueteiros” (e não profissionais do marketing) poderiam pensar que é a forma de ludibriar incautos, fazendo proselitismo e que o consumidor, seja de produtos ou ideias, tem que ser “convencido” (cabresteado) de que precisa do que se está oferecendo.

Faço um breve resumo, especialmente porque, tenho certeza, o leitor vai flagrar vocabulários que se encontram na mesma situação. A palavra tem sentido, peso e sabor. Aprender a usá-la bem é uma arte, um prazer e uma responsabilidade. Comunicação sem sabor e prazer é comunicação sem graça, sem tempero... Precisam ser acarinhadas e tratadas com respeito. Ao mesmo tempo, da forma sorrateira como é apresentada é para a população uma armadilha de cobras da qual, infelizmente, não há muito como escapar.

domingo, 17 de março de 2024

Amanheceres...

 

Inspiração” é meu novo projeto no mês de março, quando completo dois anos de “Sexta com gosto de poesia”. A forma de te enviar um carinho nas manhãs de domingo. Recebe o meu abraço!


sexta-feira, 15 de março de 2024

O medo de cansar na espera...

Esperar.

Difícil compreender

Quando o andar da vida é marcado

Por tempos que, muitas vezes,

Não nos alcançam o sentido.

 


Esperar.

O que se aprende quando, enfim,

Se vislumbra a possibilidade de

Entender uma nesga da existência.

Espelhos pelos quais

Se passa e o tempo mostra

A inquietude da idade e,

Por fim, a placidez dos anos adormecidos...

 

Segue-se o caudal das vivências,

Onde cada reencontro

Sinaliza um até logo.

Então,

É preciso vencer o medo de dizer adeus.

Encontrar

A certeza de que

Toda a despedida está grávida de

Um novo reencontro.

  

Comecei a entender

Quando um olhar silenciou minha voz

E apaziguou meu espírito...

Foi quando sorriste

Que desamarrotei meu riso;

No abraço,

Perdi-me no aconchego do teu peito;

Ao afagar a imaginação,

Partilhando o que sonhaste,

Reacendeu-se o meu próprio sonho!

 

Esperar e aprender,

Quando foge a compreensão

E, mesmo então,

Sempre tiveste paciência

De aguardar pelo meu momento.

Amadureci quando,

Experimentando o arrependimento,

Ao invés de me demorar mais um pouco,

Corri até onde imaginei que estarias...

 

Olhando ao longe, os grandes sonhos,

Se perde o gosto por aquilo que está próximo:

O devaneio

Que vaga na lembrança de uma noite.

Acordar, olhos ainda fechados,

Com o sentimento

De que a distância dói tanto

Que não se cura,

Apenas ameniza com

A aragem do que é expectativa.

 

Me ensina a não cansar na espera...

E não desistir do que pudemos

Construir como nossos sonhos!

terça-feira, 12 de março de 2024

Um livro no meio do caminho...

O Coletivo Autores de Pelotas (CAP) realizou no início do mês de março o projeto “Esqueça um livro”, com um convite: “vamos espalhar literatura pela cidade?” Na manhã de um sábado, autores e interessados se reuniram em frente ao sebo Icária (em Pelotas, nos fundos do Mercado Público), onde fizeram registros e, depois, cada um saiu em busca de um lugar onde pudesse “esquecer um livro”, para acarinhar potenciais leitores. Também havia o pedido de que se levasse uma ou mais obras para doação.

Uma forma delicadeza de colocar um livro no meio do caminho... Ideia que segue a tendência de grupos literários pelo Brasil que se esforçam para incentivar este gosto na população, especialmente entre os mais jovens. É triste constatar que ainda somos um país onde a leitura é bem reduzida. Livrarias e sebos lutam com dificuldades para sobreviver. O mesmo se diz dos escritores, que são os retratistas da alma de um povo e, mesmo assim, não conseguem espaço para concretizarem o acesso a este bem cultural.


O livro pode ser “perigoso” porque contribui para estimular o senso crítico do seu leitor. Quando se fala assim se tem a impressão que é a respeito apenas de política, mas não: toda a área do conhecimento onde se pensam profissionais que não sejam apenas técnicos (“fazedores”), mas conhecedores das realidades sociais, seus problemas, contextualização e que procurem fazer parte das soluções. Publicações em forma de livro, no Brasil, ainda são caras na correspondência com o salário mínimo, por exemplo.

Num valor em que não cabe sequer o atendimento das necessidades básicas, não há mágica. É sonho desejar que atendam também aos bens culturais ou de entretenimento. Pior ainda é que não se tem uma cultura da leitura. Além da realidade financeira, privilegiam-se instrumentos que se tornaram “babás eletrônicas”. Até em função de que este é costume que necessita ser “aprendido”, passado de geração em geração, investir tempo em acompanhar, dispor-se a esclarecimentos, discussões e leitura em conjunto.

Mais fácil, infelizmente, é entregar um “joystick” ou um controle remoto e ter um filho anestesiado pelos meios eletrônicos durante algumas horas... Tentativas de popularizar a leitura até alcançaram alguns segmentos, especialmente o juvenil, como as sagas do Harry Potter, Senhor dos Anéis e Percy Jackson, por exemplo. Personagens que ganharam o gosto popular e que migraram das páginas dos livros para as telas e telinhas. Torna-se um mundo encantado pela magia das palavras e das ilustrações.

A ideia do Coletivo de Autores não é boa, é ótima! Encontrar um livro no meio do caminho: num banco de praça, na mureta de um chafariz, na beira da vitrine da loja, receber das mãos de alguém, se transforma numa agradável surpresa. Andar de mão em mão é melhor do que ser esquecido e juntar poeira numa estande. Como antigamente se fazia com os gibis, que eram motivo de troca, aproximando quem compra de quem quer sentir o cheiro e a sensação de folhear páginas e imergir numa boa história, numa aventura, num romance, no instante único de cumplicidade entre o autor e o seu leitor!