terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

A violência cultural do machismo

Discutir certas questões pode parecer supérfluo e desnecessário. Ou, então, que não merecem prioridade e se posterga, com o típico “empurrar com a barriga”… Este é o problema quando se quer falar de machismo. A discriminação sexual nem sempre é explícita, mas pode ser detectada em certas falas e comportamentos, que se tornaram rotineiras, até mesmo “naturalizadas”, aparentam ser inofensivas, mas que demonstram o fato de que está mais perto do que se quer reconhecer: na própria família, na vizinhança, entre amigos ou no ambiente de trabalho.

O escritor Ticiano Osório sentiu na pele, de onde menos esperava, que “o machismo começa no parquinho”. Em artigo, contou a experiência das filhas. Salientou que seu lugar de fala é como pai de meninas que já sentiram “o gosto amargo do machismo cotidiano”. Não houve violência física, mas a anulação enquanto mulher, no acesso a brinquedos públicos, onde meninos se julgaram no direito de passar à frente. Explica: “e tendo que é de grão em grão que se destrói a autoestima das meninas e se constrói a realidade de abuso, silenciamento e desprezo enfrentada pelas mulheres”.

O tema é amplo e o terreno pantanoso… podendo ser usado contra, especialmente, o sexo feminino, mas também aqueles (as) que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Recentemente, anúncio de rádio e televisão falava a respeito da violência que sofre a mulher, com as desculpas esfarrapadas de sempre: “ela provocou”, “não sabe o seu lugar”, “ela tava a fim, sim, não queria reconhecer!”, “com aquela roupa, ela queria o quê?” E o perigo de que a acomodação, por problemas financeiros, pressão psicológica ou medo de agressão disfarcem mais um crime...

Na mesma ocasião, falavam a respeito das mulheres que são chamadas a fazerem política. O clamor por uma maior participação feminina levou a que se abrissem vagas, mas não que se reconhecesse o direito de manter sua identidade. E são violentadas quando precisam se masculinizar para encontrar espaços nas máquinas partidárias, serem objeto de expressões supostamente carinhosas ou gestos de intimidade que não autorizaram. Ou, ainda, quando os “colegas” de espaços políticos julgam-se em condições de “auxiliar” as colegas, “traduzindo” para os demais aquilo que tentam expressar.

O preconceito somente é vencido pela educação. O próprio Ticiano lembra a obra de Robert Fulghum onde resume o necessário para que se respeite o outro: "compartilhe tudo", "jogue dentro das regras", "não bata em ninguém", "coloque as coisas de volta no lugar", "não pegue as coisas dos outros", "peça desculpas quando machucar alguém", "quando sair, cuidado com os carros", "dê a mão e fique junto" e "o peixinho dourado, o hamster, o camundongo e até a sementinha no copo plástico, tudo morre, e nós também". E, finalmente, acrescenta: “respeita ‘as mina’!”

violência cultural do machismo acontece porque se teve gerações em que a formação tinha a predominância do sexo masculino. Que ainda está entranhado em ambientes onde a mulher não sabe ou não consegue exercitar a sua própria autonomia, muitas vezes policiada por pais, maridos e filhos. Fazer o justo equilíbrio não é apenas a substituição de um jugo pelo outro, mas a parceria e o respeito que criam um ambiente de corresponsabilidade. O lugar de identidade de cada um acontece quando se pratica algo elementar, a gentileza: o encontro do olhar de carinho e de respeito do outro.

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