sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Quando se fere a verdade…

Artigo da Semana: 

Michael Wolff, em seus livros sobre o presidente americano Donald Trump, "Fogo e Fúria" e "O Cerco", oferece uma lente para analisar líderes populistas de extrema-direita. Ele retrata a Casa Branca não como um repositório de fatos imutáveis, mas como um ambiente de caos e intriga incessante. A chave é a constante "guerra contra a realidade e a mídia", onde a "verdade trumpiana" prevalece. Nesses bastidores do poder, o que importa é a narrativa que mobiliza a base e deslegitima qualquer acusação externa.

No Brasil, o recente cenário envolvendo a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro traça um paralelo com a dinâmica descrita por Wolff. As notícias sobre a prisão preventiva, motivada por acusações de trama golpista e risco de fuga após condenação anterior, geram imediatamente múltiplos e conflitantes relatos. A verdade objetiva dos fatos jurídicos é submersa por narrativas paralelas. Instala-se um choque de realidades onde o sistema judicial e os fatos são vistos apenas como ferramentas de perseguição política.

A essência do populismo reside na capacidade de transformar reveses legais em combustível político. Assim, a prisão não é aceita pela base como consequência de atos ilegais, mas sim como prova cabal da "ditadura da toga" ou de uma "caça às bruxas" promovida pelas elites. O "cerco" político une os apoiadores, fortalecendo a crença de que o líder estava certo sobre ser vítima. A rejeição à grande mídia em favor de redes sociais amplifica essa narrativa alternativa de desconfiança e vitimização.

Na era dos líderes de extrema-direita, a "verdade" deixa de ser um dado objetivo e torna-se uma arma política. Assim como o caos e as acusações na Casa Branca eram irrelevantes para a base de Trump, os fatos jurídicos contra Bolsonaro são absorvidos como meros "detalhes da perseguição". A prisão, embora legalmente um revés, é imediatamente convertida em capital político. Isso reforça a narrativa de um líder martirizado, vítima de forças ocultas ou poderosas que tentam silenciá-lo.

Esta fase de "cerco" representa o momento final, onde o líder, encurralado pela Justiça, se torna mais "errático" e exposto, mas paradoxalmente, mais perigoso e polarizador. A verdade do Judiciário se choca irremediavelmente com a verdade da fé política de seus seguidores. A narrativa de vítima, tanto para Bolsonaro quanto para Trump, mostra a dificuldade em desmantelar essas construções. A semelhança entre os casos ressalta o ponto crucial: não é apenas na guerra que a verdade é a primeira vítima. Nos embates políticos polarizados, rasga-se o consenso social, e ela acaba sendo ferida gravemente…

(Pesquisa e imagens com a IA Gemini. Este e outros textos em manoeljesus.blogspot.com. Áudio e vídeo em https://youtu.be/_kc1Vi2hDr8)

domingo, 23 de novembro de 2025

Com as rédeas do coração

Simplesmente assim:


Uma nesga de sol, no inverno,

Um pedaço de sombra, no verão.

É um carinho ansiado 

E que, muitas vezes, não se consegue.

Fica um gosto de incompletude, ao

Se desejar atenção,

Um jeito terno de olhar,

Receber uma flor...


Quando tudo mais perde o sentido, 

A realidade parece precisar apenas da lógica. 

Loucura é deixar 

O coração tomar as rédeas. 

Multiplicam-se, então,

Gestos de ternura e carinho,

Que, na maior parte das vezes,

Não precisam de explicações. 


Desnudam a intimidade da alma

Onde um espírito 

Acolhe e sintoniza com o outro.

A porta deste mistério 

É um olhar silencioso,  

Em que se dispensam as palavras.


Abrir frestas e janelas,

Arejar tristezas, dispensar as mágoas.

Ali, onde se guardam segredos,

O tempo recolhe imensos vazios.

Nas ausências e desassossegos,

Livrar-se do que atravanca 

Os corredores da memória, 

Para que a luz desnude 

O caminho onde se perde o medo

De tropeçar e cair…


(Imagens geradas pela IA Gemini. Áudio e vídeo em https://youtu.be/Aud-fOeBS4M)

sábado, 22 de novembro de 2025

Sobre a China, de Henry Kissinger

Leituras e lembranças:

Quem assistiu às recentes edições do programa Fantástico, pela RBS TV, nos domingos à noite, acompanhou uma série de reportagens sobre a China. Um dos primeiros livros que li a respeito foi "Sobre a China" (2011), que combina história, memórias pessoais e análise estratégica da diplomacia chinesa e das relações sino-americanas, escritas por Henry Kissinger, um dos arquitetos da reaproximação entre os dois países no século XX.

Kissinger visitou a China mais de 50 vezes e utiliza sua experiência pessoal e conversas com quatro gerações de líderes chineses (incluindo Mao Zedong, Zhou Enlai e Deng Xiaoping) para oferecer uma visão própria do processo político cultural. Examina a história milenar, argumentando que a abordagem diplomática e estratégica do país hoje é influenciada por princípios clássicos e pela sua identidade como uma civilização-estado (o "Reino do Meio") e não apenas como um estado-nação moderno.

Prioriza a manutenção da ordem interna e do status civilizacional em vez de uma expansão territorial agressiva. Valoriza a sutileza, a paciência e o wei qi (jogo de tabuleiro chinês que enfatiza o cerco estratégico e o ganho de pequenas vantagens ao longo do tempo, em contraste com o xadrez ocidental, mais focado na aniquilação do adversário). Detalha momentos cruciais da política externa chinesa, como os primeiros encontros com potências ocidentais, o colapso da aliança sino-soviética, a Guerra da Coreia, a histórica viagem de Richard Nixon a Pequim e as reformas de Deng Xiaoping.

É testemunho ocular da história, com depoimentos sobre os bastidores da diplomacia internacional. Proporciona uma análise sofisticada da mentalidade estratégica chinesa, ajudando a entender o papel do país na balança de poder do século XXI. A crítica mais recorrente é que Kissinger adota uma leitura essencialmente estratégica e sistêmica, atenuando ou até mesmo omitindo discussões sobre as violações de direitos humanos, a censura e o impacto das decisões nas populações e minorias. 

A abordagem foca nas interações entre elites e Estados. Reflete a filosofia da Realpolitik de Kissinger, onde o interesse nacional e o equilíbrio de poder se sobrepõem a questões ideológicas ou morais. A obra é a narrativa de um diplomata em ação. "Sobre a China" é obra complexa que oferece a visão do estadista sobre uma das civilizações mais antigas e potência emergente. Explica como a China usa a história para formatar sua estratégia moderna e reflete sobre os desafios que seu crescimento representa para a nova ordem política e econômica internacional.

(Pesquisa e imagens com IA Gemini. Áudio e vídeo em https://youtu.be/s5Zp9Jjp3hM)

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Leão XIV: diplomacia ou pastoralidade?

Artigo da semana:

Alguém já disse que “o papa João Paulo II era para ser visto, Bento XVI para ser ouvido e Francisco para ser tocado”. Uma interpretação da ênfase distinta de cada pontificado. Sugere que João Paulo foi presença visível e atuante no mundo, especialmente na mídia. Bento, um teólogo da palavra e da reflexão. Francisco, um líder voltado para a proximidade e o contato direto com as pessoas. O que sobrou para caracterizar Leão XIV? O sucessor de um pontífice carismático depara-se com uma Igreja Católica tentando encontrar a sua identidade…

Politicamente, a renúncia de Bento XVI foi sua ação mais impactante na vida da instituição. Cansado, sem tomar as rédeas dos seus quadros, encontrou problemas desde questões financeiras até de comportamento moral, lidando com a pedofilia, por exemplo. Francisco era um pastor. Já demonstrara sua capacidade de administrar em sua terra natal, Buenos Aires, na Argentina. Mas o quadro era mais complexo, pois se acirravam os ânimos entre os conservadores, que controlavam o Vaticano, e os progressistas, que clamavam por mudanças.

Leão XIV precisa lidar com problemas herdados, desafios com os quais Francisco batalhou até o último instante: a indústria armamentista, que se mantém pela desgraça alheia; as ondas migratórias de países em conflito; a subsistência de um planeta cansado do “turismo ecológico”, que consome recursos públicos, mas não aponta soluções. Tristemente, Leão XIV é uma referência “moral”, com a qual autoridades internacionais até querem fazer uma fotografia, ouvir seus conselhos, mas entram por um ouvido e saem pelo outro…

Admirava (e admiro) Francisco por sua transparência. Não era um político da Igreja, fazendo média com quem quer que fosse. Em muitas situações, disse o que não era politicamente correto, coerente com o que pensava. Fez gestos eloquentes, mais do que palavras, no acolhimento aos deserdados da sociedade: migrantes, prisioneiros, gays… Chegou ao Vaticano como pastor e morreu sendo pastor. No estilo de vestir (sem luxo) à forma de morar (em comunidade, na Casa de Santa Marta), suas convicções balizaram seu comportamento.

Leão XIV tenta ser “diplomata”. Infelizmente, o Vaticano é um estado constituído. Consequentemente, o papa recebe e trata com todas as representações políticas internacionais. Sabe que, na própria “casa”, ainda há muitas fissuras, que não foram seladas. Necessita de um tempo para dizer a que veio. Com 70 anos, em tese, pode ter um longo pontificado. Os tempos são difíceis e as realidades sociais e religiosas também. Sua origem, nos Estados Unidos, e atuação missionária no Peru, o qualificam para ser mais do que já mostrou… É preciso esperar… E rezar!

(Imagens geradas pela IA Gemini. Áudio e vídeo em https://youtu.be/y4KbrwmXwEI)

domingo, 16 de novembro de 2025

As mal traçadas linhas do tempo

Simplesmente assim:

O tempo é engraçado 

Quando movimenta as suas engrenagens.

Ao proporcionar que se sorva

Momentos, oferece oportunidades,

Em que, nos tenros anos,

A impetuosidade torna 

Difícil diferenciar o néctar do fel…


Marcha-se pela vida na ilusão de que 

A existência não terá fim.

Basta procurar e desfrutar a embriaguez do

Que anestesia sentidos e sentimentos.


Mostra armadilhas que a inexperiência

Não deixa que se perceba.

Na agenda do coração,

Anestesiados pelo espelho do encantamento,

Percebe-se o apagamento 

De quem já fez parte do convívio.

 

As mal traçadas linhas do tempo…

Ao apagar mais um registro

Do que já foi uma lista de preciosa amizade,

Fica a sensação de que apenas se desejava 

A oportunidade de rever alguns rostos.

Ao perguntar se tudo estava bem,

Somente queria, mais uma vez, 

Desejar, onde estiveres, que sejas feliz!


(Imagens geradas pela IA Gemini. Áudio e vídeo em https://youtu.be/945wd3TC3aI)

sábado, 15 de novembro de 2025

O Segredo Final, de Dan Brown

Leituras e lembranças:

Minha passagem pela Feira do Livro de Pelotas/RS levou a comprar o romance O Segredo Final, de Dan Brown, e O Círculo dos Dias, de Ken Follet. O primeiro marca o retorno do simbologista Robert Langdon em uma aventura que se afasta dos enigmas históricos para mergulhar nos mistérios da consciência humana e da ciência Noética (o estudo da consciência). O thriller mantém a fórmula de sucesso do autor.

Com cenários em Praga, mistura ciência, filosofia, arte e conspiração global. Foca na consciência humana e o embate entre ciência futurista e tradições místicas/espirituais. A trama se inicia com Robert Langdon em Praga para prestigiar uma palestra de Katherine Solomon (cientista que já havia aparecido em O Símbolo Perdido, com quem Langdon mantém um relacionamento). 

Katherine está prestes a publicar um manuscrito com descobertas "explosivas" sobre a natureza da consciência, algo que poderia abalar séculos de crenças estabelecidas. A situação degringola rapidamente. Um assassinato brutal ocorre, e Katherine desaparece junto com o manuscrito. Langdon se vê, então, na mira de uma poderosa organização secreta e perseguido por um antagonista inspirado nas lendas da mitologia tcheca, o Golem de Praga. 

A corrida para desvendar o quebra-cabeça e encontrar Katherine leva Langdon de Praga a outras cidades, como Londres e Nova York. O diferencial deste livro em relação a obras como O Código Da Vinci é o deslocamento do foco. Brown troca as catedrais antigas e a simbologia histórica pela neurociência, a ciência noética e os limites da mente. 

O segredo a ser desvendado não está em um artefato religioso ou em um código de um mestre da Renascença, mas sim na compreensão da própria existência humana e da consciência. O Segredo Final é uma leitura eletrizante e instigante, que cumpre o seu papel como um thriller de conspiração intelectual. É uma obra recomendada para quem aprecia a mistura da ação, ciência e mistério que consagrou Dan Brown.

O Círculo dos Dias, do Ken Follet, a gente comenta numa próxima ocasião, antes do final do ano. Como leituras para as férias…

(Pesquisa e imagens pela IA Gemini. Áudio e vídeo em https://youtu.be/onH7F2tIdTU)

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Uma charrete no meio da rua

Artigo da semana:

Ainda existem muitas charretes andando pelas ruas da cidade. Hoje, tenta-se disciplinar o serviço de carga, que é uma espécie de subemprego, onde quase sempre um animal, um meio de transporte, um condutor e uma carga lembram de tempos idos, anteriores aos veículos locomotores. Meu pai nunca teve um carro, mas, nos idos de 1970, teve uma charrete. Servia para levar e trazer mercadorias que comercializava no seu bar e armazém. Também transportava minha mãe e suas amigas, na madrugada, para o difícil trabalho nas fábricas de conservas de pêssego.

As que se encontram, atualmente, quase todas fazem fretes. Percorrem a cidade com a clientela certa ou em bicos ao serem parados na rua. Muitas vezes, além do proprietário, leva junto um ou mais filhos. Que vivem uma aventura, se o tempo estiver ameno, porém, no inverno, pouco protegidos, a criança se aconchega ao corpo do pai em busca de calor. Quando os primeiros pingos da chuva marcam o lombo do cavalo, põe a capa sobre o corpinho débil, protegendo o menino que deposita a confiança de que lhe proverá a subsistência.

Em muitos casos, homens que já não conseguem emprego ou idosos que não se acostumam com as atividades oferecidas. Morando em lugares distantes dos centros das cidades, percorrem longas distâncias confiando que o animal não lhes faltará e que, ao voltar para casa, garantirão o sustento da família. Como me contou um deles, a esposa faz bicos em limpeza de residências e, juntos, mantêm os filhos estudando. Ao passar em minha casa, via que, além das cargas, muitas vezes, havia doações de quem reserva roupas e objetos de uso pessoal para desapegar…

Aprendi com o tempo a ter paciência no trânsito. Duas coisas que me irritavam muito eram as motos ziguezagueando por entre os carros e as charretes trancando o fluxo de veículos. Acabei usando a moto e percebi que os dois são vítimas. As motos, caso parem na sequência da fila, encontram um apressadinho que os quer longe. As charretes são, muitas vezes, o que resta como instrumento de trabalho e de ganha-pão. Na dureza de quem “descola alguns trocados” para si e para a família está um cidadão que não desistiu.

Uma charrete no meio da rua é um dos cartões postais da pobreza urbana, ferindo a consciência social. Administradores públicos já prometeram carroças elétricas ou com um mínimo de consumo de combustível. Mas, ficou nisto: promessas. Pena. No agito das vias urbanas, onde o caos se estabelece em momentos de pico, o trotar do cavalo e seu dono é um desafio. Com pai e filhos, na cumplicidade de uma existência, se percebe que, muitas vezes, precisam mendigar o serviço para sobreviver. Sozinhos ou em família, antes do fim da jornada de um dia, preservam o sentimento de que ainda encontram o alento que se chama esperança…

(Imagens geradas pela IA Gemini. Áudio e vídeo em https://youtu.be/bErsZv8r7y8)