sexta-feira, 16 de maio de 2025

A bênção de ainda respirar

 Sexta com gosto de poesia:


Quando a chuva começar, para no meio da rua.

Ou diminui o passo, entra no ritmo da mudança do tempo

Que marca o breu da noite.

O cheiro da terra molhada preenchendo o ar, 

Na brisa leve que embala o galho das árvores, fará

Sentires o privilégio de estar em sintonia com a Natureza.

Então, não corre ao sentir no corpo os primeiros pingos...


Troca a pressa por chegar pelo gosto de sorver 

A vida que emana das coisas simples,

Escondidas no quotidiano das neuroses e preocupações.

Não te agonies quando raios, trovões e o vento 

Curiscarem, ribombarem, açoitarem.

Andar sozinho sob a chuva é perceber 

Que o Mundo ainda pode ser gentil.

Um momento privilegiado para se ouvir 

Os passos na calçada molhada.

E brincar em suas poças é tudo do que se precisa.


Os pingos que se acumulam sobre folhas e flores

Cachoeiram umas, jogam ao chão as outras,

Desenhando as cores de todas as estações.

O Sol, ao dar a derradeira espiada sob as nuvens,

Será testemunho do teu choro, de ajoelhar-te, de bater palmas. 

Não importa a reação.

Mesmo se apenas quedares em silêncio,

Entenderás que a chuva, removendo a maquiagem, 

O perfume, lava todas as vaidades.

Desafiando a erguer o rosto, fechar os olhos e 

sentir-se aspergido pela bênção de ainda respirar.



terça-feira, 13 de maio de 2025

O urbano e a vila de pescadores

Artigo da semana:

Recentemente, passei uma semana no hotel do SESC, em Torres, no litoral norte. Queria mudar de ares, por alguns dias, mesmo estando aparelhado para preparar algumas palestras que estão agendadas. Para uma delas, precisava ler a obra “As Cinco Linguagens do Amor”, que baseou, recentemente, minha participação numa Escola de Formação do Movimento Familiar Cristão.

O hotel fica encostadinho no rio Mampituba, exatamente ao lado da ponte pênsil, havendo muitas rotas a serem exploradas, de ambos os lados. Estive naquela praia, pela última vez, há cerca de 20 anos. As mudanças, especialmente depois da pandemia, foram muitas. Como a criação da orla gastronômica, no encontro do rio com o mar. Os pontos turísticos da alta temporada valem para quem procura belezas naturais (a Guarita é sempre deslumbrante) ou o "centrinho" comercial, que já não é tão “inho” (pequeno).

Quando fui, início de abril, foi um tempo de "turismo geriátrico". Trabalhava um pouco no início da manhã e da tarde, depois descia para o chimarrão ou um café, quando sempre aparecia alguém para uma conversa. Assim como ao percorrer o caminho até os dois faróis, encontrando pescadores e turistas, sem esquecer as excursões, em muitos casos da serra gaúcha, não faltando as cantorias italianas...

Fui surpreendido ao cruzar a “fronteira”, para Passo de Torres (SC). Ligados por ponte convencional, mas também uma de pedestres, que os antigos chamavam de "pinguela". Para, no máximo, 10 pessoas onde, mesmo os mais valentes, sentem um friozinho na espinha quando começa a trepidar… Do outro lado, um elemento chamou a atenção: é, ainda, uma vila de pescadores e, enquanto do lado de cá se vê, na maioria, idosos "turistando", do lado de lá são famílias aproveitando a orla para negócios, especialmente peixarias.

Todo tipo de pequeno comércio, ao longo do rio, até a barra. Idosos e jovens pescam, alguns por diversão, outros para vender o produto, e uma gurizada se oferecendo como guia turístico, claro, por alguns pilas. Um passeio diferente. A imersão em uma realidade que preserva a simplicidade dos barcos que saem cedo para pescar e de quem espia por sobre o rio os atrativos urbanos de uma cidade grande. Sem se importar em compartilhar o encanto do que permanece muito próximo do que já foi apenas uma vila de pescadores…


domingo, 11 de maio de 2025

Simplesmente assim: Eternamente, filho!

Mãe. Palavra estranha... Como lhe dar um conceito?

O que se encontra em dicionário

Não abrange todo o seu significado.

É como a busca por definir "amor".

A incapacidade de encobrir a essência com palavras

É vencida por um sentimento terno e

Aconchegante, do próprio ser que lhe dá sentido.

De quem a gente esquece de qualquer tratamento adequado 

E dispensa o nome pelo qual a chamaram no Batismo…

Simplesmente, Mãe!

 

Gerar é graça concedida a quem ama ao ponto

De renunciar a uma parte das próprias entranhas.

Uma vida de preocupações por quem

Ensinaste a andar e, quem sabe, a voar...

Sabendo que, bem mais tarde, sentirá a falta

Do abraço que é, em qualquer tempo, um porto seguro. 

Quando partes, semeias um gosto de saudade

Nos lábios de quem fica murmurando preces.

Na tua ausência se aprende que

Para sempre serás mãe… 

E por toda a Eternidade serei teu filho!


sábado, 10 de maio de 2025

Ruy Carlos Ostermann - Um Encontro com o Professor

 

Leituras e Lembranças:

Ruy Carlos Ostermann é uma lenda viva do jornalismo no Rio Grande do Sul. Comentarista esportivo, sem perder a noção de contextualização do tempo em que o futebol (especialmente) era praticado, com plena noção do cenário político e econômico gaúcho. "Ruy Carlos Ostermann, um encontro com o professor", de Carlos Guimarães, é um livro que interessa a quem atenta à história da comunicação no estado, tendo como pano de fundo a figura carismática do professor.

Oferece panorama da trajetória intelectual e profissional de Ruy Carlos Ostermann, um nome fundamental no jornalismo e da academia gaúcha. Através de entrevistas, depoimentos de colegas, alunos e admiradores, além de reproduções de seus próprios textos, o livro permite "encontrar" o professor em diferentes momentos de sua vida. Uma diversidade de vozes, resgate histórico, humanização da figura e, como era o seu feitio, muitas reflexões sobre a Comunicação, passando pela formação de seus profissionais, sem descuidar dos desafios que enfrenta em diferentes contextos. 

Dosando informação com uma de suas características: humor sóbrio, em que o foco regional não perde as características do universal. Para leitores de outras regiões, pode ser até que as referências não sejam familiares, exigindo maior atenção. No entanto, a importância de Ostermann para o cenário da comunicação justifica. Porque possui um tom de homenagem, natural em uma obra como esta, o que pode, em alguns momentos, suavizar possíveis controvérsias ou críticas à atuação do professor.

É leitura valiosa para quem deseja conhecer mais sobre a história do jornalismo e da comunicação no Rio Grande do Sul. Principalmente, para aqueles que foram de alguma forma tocados pela figura inspiradora de Ostermann. É um livro que emociona, informa e convida a refletir sobre o papel do professor e do comunicador na sociedade. Se você teve contato com ele - foi aluno ou ouvinte das rádios Guaíba e Gaúcha - ou se interessa pela área, essa é uma leitura que certamente valerá a pena.

Faz parte das minhas memórias afetivas. Quando frequentava os bancos escolares da Escola de Comunicação da Universidade Católica de Pelotas, já o acompanhava, assim como outras duas estrelas dos comentários esportivos: Lauro Quadros e Paulo Santana. Depois, quando, enfim, passei a ser professor do mesmo curso, contava histórias vividas com o aprendizado da escuta de um filósofo do futebol.


Uma delas era ajudar meus alunos a descobrir que a melhor forma de criar um estilo próprio de texto é iniciar como uma folha em branco. Aprender ouvindo, lendo, observando, quem sabe copiando alguns traços, com a certeza de que a identidade de cada um é, sim, o que se bebe no processo de formação, inspirado em mestres como o sempre lembrado Ruy Carlos Ostermann. (Com pesquisa i.a. Gemini).

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Fazer um brinde à vida

Quando se pisam ausências, rememoram-se

Momentos marcantes de uma vida em comum.

Sabores guardados nas lembranças,

Sentindo o odor de ingredientes

Que se persegue, na memória, pelo aroma e o gosto.

Compartilhar receitas do dia a dia, 

Degustar antecipadamente lembranças.

Na doce mistura de sonhos e sedução.

No que, mais do que apenas algo com que se delicia, 

Torna-se o fascínio de um encantamento.

 

O ingrediente que apimenta a saudade,

Se chama ausência,

Presente em muitos e demorados momentos.

Passa pelo manjar feito para agradar ao paladar,

Repleto de intenções, que enleva e,

Fechando os olhos, revisita-se o coração da casa,

Onde a mão manuseia uma espátula

Enquanto o caldo borbulha.


A satisfação de quem encanta os olhos, 

Em prece pela dádiva de um alimento.

No caldeirão, onde o feitiço das mãos mágicas

Transmuta uma simples calda ou um molho,

Intensifica o sabor de um manjar,

Realça encantos que a Natureza 

Ocultou como possibilidades.

Harmonizar sabores é o condão mágico

De quem quer, apenas, fazer um brinde à vida!


terça-feira, 6 de maio de 2025

Obrigado, Francisco, por tua teimosia

O provérbio português “os carvalhos morrem de pé” aplica-se a Franciscus, argentino, batizado como Jorge Bergoglio. O homem que, desde sábado, está sepultado em Santa Maria Maior, no coração de Roma, preenchia, como poucos, o requisito de força, dignidade e resistência diante de qualquer situação, ou mesmo, em frente à morte. Seu último desejo - de que apenas seu nome papal estivesse sobre a lápide - coroou a história de uma liderança inclusiva, tendo incomodado quem desejava (e ainda deseja) fazer da igreja Católica um clube de poucos privilegiados…

A compreensão ao invés de dogmas. Com um humor peculiar que permitia brincar com os brasileiros em diversas situações: “Vocês são ladrões... roubaram meu coração!”; “é muita cachaça e pouca oração” ou, referindo-se à sua escolha, “se Deus é brasileiro, o papa é argentino”. Francisco não foi apenas a referência de uma religião, mas de fé, em Deus e na humanidade. Foi a voz daqueles que precisavam ser visibilizados: gays, mulheres, separados, indígenas, povos naturais…

Fechou um ciclo desde que apareceu pela primeira vez na sacada do Vaticano brincando que seus irmãos cardeais o haviam buscado no fim do mundo, pedindo que rezassem por ele. Marcou com a imagem mais emblemática da pandemia, ao caminhar sozinho em busca de bênçãos para a humanidade na praça de São Pedro. Fazendo a sua Páscoa, na culminância da Semana Santa, quando chegou até o meio do povo, ouvindo sua gente, quebrando protocolo, olhar do pastor que não vê multidão, mas uma determinada senhora, ainda no hospital, que o acompanhou durante toda a internação, e trazia rosas amarelas…

Das entrevistas que vi, depois da sua morte, a que confessou precisar das pessoas me impactou. Deveria residir no apartamento papal, porém, por razões psicológicas, optou em viver em “família”, na casa de Santa Marta. Onde seu corpo foi exposto pela primeira vez, confirmando que estamos órfãos. Órfãos de pai, de avô, de tio que, até o último momento, pediu proteção para as vítimas da guerra. Como disse Bono Vox, “um homem extraordinário para um tempo extraordinário”. Obrigado, Francisco, por tua teimosia!

Já se disse que João Paulo II era para ser visto; Bento XVI, para ser ouvido e, Francisco, para ser tocado. Um tango é a justa despedida: “Francisco, te lloram las calles” (“Francisco, te choram as ruas”). A angústia tomou conta de quem rezou pela sua serenidade, depois do esforço, ao pedir: “não estacionem o coração na tristeza”. O coração que gostaria de não vê-lo partir, quando a gratidão seca as lágrimas por nos contagiar com o bem. Ele mesmo garantiu: “Não vivemos sem meta, sem destino. Somos esperados, somos preciosos. Deus nos preparou o lugar mais digno e belo: o Paraíso”. Segue à nossa frente. Vá em paz, Francisco!


domingo, 4 de maio de 2025

Simplesmente assim: Andanças

Quando dobrares na esquina,

Mudarás o horizonte e o sentido da tua rua.

Ainda não sabes o que te espera,

Apenas acreditas que serão outros rumos,

Outros sonhos, os voos da tua imaginação. 

Restará afagar as memórias,

No distanciamento de tudo o que ficou

Confinado a um passado que embalou

Tuas andanças e o rumo dos teus tenros anos.


Ali encontras as casas com varandas, 

Onde as flores se debruçam por sobre as calçadas. 

As crianças brincando são ecos da

Algazarra que dá razão à vida.

Renovada por onde se anda no cosmos, 

Quando o mundo se ajusta para caber

Dentro das expectativas de cada um.

Ao expandir o olhar pelo que se torna universal, 

Deixam-se as pegadas que carregam 

A poeira de todas as nossas andanças…