A costureira que desmancha blusões, faz mantas e doa para moradores de rua, contou sua história num programa da rádio Gaúcha. Recebe doações, mas também organizou “ação entre amigos”, rifando lençol para arrecadar recursos, ir aos brechós, comprar peças em boas condições, assim como novelos de lã. Ana Cláudia de Souza continua a obra iniciada pela avó e contou que “ver a carinha deles felizes porque vão se esquentar, não tem preço”. O repórter Tiago Boff detalhou: “ponto a ponto, tecidos são unidos por agulhas de tricô, trabalho manual repassado a gerações”.
Gostei da história. Na segunda-feira, por acidente (meu número apareceu no visor do celular e acabou me ligando), conversei durante bom tempo com o Firmino, que fez parte do Grupo de Jovens em Busca de Um Novo Sol (GEBUNS). Entre outras coisas, contei que pretendia fazer minha próxima crônica falando a respeito dos blusões de lã tricotados pelas mães e que nos salvaram de muitos invernos, sendo praticamente “uniformes”, naqueles dias que sempre pareciam ser muito frios. Em pontos diferentes da cidade, as histórias tinham sempre algo em comum...
No último domingo, quando falei a respeito do “ser mais chato que Deus já criou” (as mães), recebi o comentário de um amigo. Retribui dizendo que a mãe sempre falava dele com carinho. Cessadas as mensagens, vasculhei as memórias e lembrei da ocasião em que começou a trabalhar na paróquia e recebeu um outro padre vindo de Angola. Na entrada do Inverno, também rigoroso e com o que consideravam não ser roupas adequadas, dona França e a Regina Martins se organizaram para tricotar blusões de lã que eram autênticas cobertas para vencer as intempéries.
Mas o baú das lembranças tinha mais coisas para serem remexidas “pratrasmente” (como diria o filósofo Odorico Paraguaçu). A minha infância foi passada utilizando blusões tricotados pela dona França ou pela Loci, a mana mais velha. Utilizavam regra parecida: início de Inverno, “tirar” nossas medidas e, não tendo como comprar novo, tomar a decisão entre fazer barra, que aumentasse os braços e a zona da cintura, ou desmanchar todo e reutilizar a lã. Naquela idade, ainda não sabíamos o que era “moda” e importava que se tivesse algo para vestir e enfrentar os rigores do Inverno.
Os novelos de lã precisavam render e, muitas vezes, o ponto era mais aberto, significando que, ao se utilizar apenas a peça sobre a camisa, sentia-se frio. Sempre fiquei com a impressão de que o problema não era da Natureza, com suas mudanças climáticas, mas a pobreza que não permitia a aquisição de mais novelos e fazer uma peça mais densa. Maior dificuldade ainda quando se encontravam crianças que o material tinha “esgarçado” - o desgaste natural pelo uso e, em muitas ocasiões, o que salvava era dar um nó nos pontos rompidos e passar para dentro da roupa…
Ana é vendedora de rua e usa o tempo livre para minorar o sofrimento de desconhecidos, praticando o desapego, tão fundamental nos dias que correm. Quem já experimentou o frio sabe que este é um bom momento para saldar a dívida social, com a prática da solidariedade. É preciso consciência e ações efetivas das autoridades, pois o degrau abaixo da pobreza se chama miséria: um ser humano que se encolhe junto à parede ou no vão de uma porta de loja e dorme, sobressaltado ou anestesiado pelo álcool, com lágrima ressecada no rosto e, mais triste, a angústia de não ter um jeito de compartilha com alguém...
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