domingo, 31 de maio de 2020

Uma lista mágica de carinho

A série "Lista Negra" é violenta, sugerindo que "mocinhos" não são tão "mocinhos" e "vilões" não são bem aquilo que se pensa... Dentro da ideia de que, no homem, não há apenas o bem em estado puro - tão pouco o mal - mas que as duas coisas, em algum momento, se misturam ou convivem. Numa cena, Elizabeth é perseguida, está grávida, em plena  cerimônia de casamento, invadida e ela é o objeto de sequestro! Começa a fuga e a perseguição. Mistura suficiente para manter a tensão e a curiosidade para saber o que iria acontecer.
Quando se dá o inesperado. Pronta para dar à luz, é levada para uma boate abandonada, onde foi montada uma estrutura que lhe dê assistência, já que não pode ser atendida num hospital. Com medo, fica sabendo que é um parto de risco. Tom, o marido, segura sua mão e tenta acalmá-la. Conversa e pergunta: "como pensou que seria este momento?" Esboço de sorriso e a resposta: "queria que fosse um momento mágico!" Em meio à tensão estampada em seus rostos, há um traço de descontração... Ele diz: "Isto eu posso fazer!" 
Para surpresa dos atendentes e seguranças, vai até o lugar do controle do som e das luzes da casa noturna e transforma o espaço. A música calma que embalou seus encontros amorosos mistura-se com a sequência de luzes que reenergizam e acalmam o ambiente. Aos poucos, o parto vai se concretizando com uma paciente já mais tranquila e o nascimento do bebê, uma linda menina, mesmo que se aproximem dois momentos tristes e dolorosos (os amantes do cinema chamariam de "spoiler"...)
Não sou de assistir novelas e me acostumei a acompanhar séries. Esta tem um bom roteiro (até quando as coisas não parecem verdadeiras), ação e a impressão de que, nas mãos dos grandes "irmãos do norte" (os americanos) todos os problemas existem exatamente para que eles deem uma solução... Neste caso, embora se espere que, em algum momento, se retome a ação, há uma tranquilidade que remete para relações mais simples: uma nenê vindo ao Mundo assusta por não chorar e o médico diz: "eles, às vezes, esquecem de respirar..."
Fiquei pensando nos pequenos momentos mágicos que tenho recebido: um amigo veio até meu portão para dar um oi e saber se eu estava bem... o meu sobrinho neto Miguel achou que a Daniele (a mãe) fizera uma ligação - mas era uma mensagem de voz - e sussurrava: "bom dia, tio Maneca... Tio Maneca, tio Maneca... eu acho que ele fugiu!" uma vizinha que traz um potinho com um prato de mocotó ou o vidro com um litro de mel; os pequenos carinhos que acalmam a alma e dão razão aos momentos de reclusão, não deixando a vida perder o sentido...
A magia não está apenas quando uma lei da Natureza é quebrada, mas quando se "quebram" expectativas e  transforma o previsto em momento singular. Nem sempre se está na pista de dança para acionar "aquela música", "aquele jogo de luzes", que nos jogam nos braços da saudade... O momento mágico é a felicidade que não ousamos pedir, mas alguém teve sensibilidade de sentir que precisávamos e ofertou sem esperar retribuição... a não ser um olhar, um sorriso.... e, quando der, um beijo e um abraço!

terça-feira, 26 de maio de 2020

um velho Mundo rearranjado...

As chuvas amenizaram a estiagem que se abateu sobre o Rio Grande do Sul. Foi uma trégua, havendo a possibilidade de se normalizar o seu fluxo e minimizar o sofrimento enfrentado no abastecimento da população e na produção agrícola. Se não fosse a pandemia do coronavírus, este seria o tema em pauta, pois, hoje, cerca de dois terços dos municípios do Estado já tiveram que recorrer à emergência, seja para evitar o racionamento ou encontrar solução para a quebra de safras.
Os jornais do fim de semana mostraram o aumento do número de propriedades rurais precisando de abastecimento através de caminhões pipa, em lugares onde cacimbas e poços, arroios e riachos secaram, mostrando o que sobrou em águas barrentas, que não podem ser consumidas. O sofrimento sentido pelos agricultores é dimensionado pela perda da produção, assim como o definhamento de animais que percorrem as propriedades em busca de comida e de um pouco de água para saciar a sede...
No meio urbano, resolver o problema depende de educação da população para economizar, consumindo de forma racional, reutilizando para o próprio uso e para não deixar morrer plantas e animais... E, também, o setor público necessita planejar ações antevendo a demanda, conforme aumenta a população, uso industrial e comercial. Caso de Pelotas, que não conseguiu transpor as águas do São Gonçalo, embora Rio Grande já o tenha feito há décadas, solucionando seus problemas de abastecimento.
No frigir dos ovos, o que se vê, são tempos de crise na área da saúde e da política brasileira, e que embora o quadro esteja mais para tempestade, alguns já pregam que "um novo Mundo é possível". De tudo o que estamos vivendo, é bem possível que se tenha, sim, é um velho Mundo rearranjado... A solução continua sendo a mesma e não se faz a curto ou médio prazo: educação. Não precisamos inovar, mas fazer o que outros já fizeram para resolver problemas básicos da saúde, educação, segurança, moradia...
No dizer de J. J. Camargo: "tudo o que tem sido copiado de países desenvolvidos precisa ser revisto sob o prisma de nossas gigantescas desigualdades sociais". Momento propício para que algum aventureiro acenda o rastrilho... ou que a sociedade já não tão organizada - e omissa - faça um pacto de sobrevivência e tome novamente as rédeas da atuação pública que entregou às forças político-partidárias.
E o que se vê? Enquanto alguns enfrentam todas as intempéries para conseguir ajuda, assistem-se discussões de políticos bem nutridos, em ambientes onde grande parcela da população nunca vai transitar. E pensar que a culpa é, exatamente... do seu voto! Político não faz favor quando lhe presta serviço, ao contrário, é pago - e bem pago - e se fiscalizado fosse poderia consolidar a grande meta da democracia: governo eleito pelo povo, administrado com o povo e exercido para o povo... o que será que está faltando?

vídeo em:
https://youtu.be/FoE9e-sXtn8

terça-feira, 19 de maio de 2020

Higiene social: parceria para reencontrar o caminho

Fiquei surpreendido quando precisei ir a um escritório de arquitetura no centro da cidade e, por todas as ruas que percorri, encontrei sempre pessoas usando máscaras. A pandemia servindo para que se aprenda novas formas de convivência, em especial, pela higiene social. Esta terminologia aponta para hábitos pessoais - lavar as mãos, usar máscaras, álcool gel - tendo em vista o contexto em que se vive, dando segurança e fazendo com que o convívio entre as pessoas se torne bom e agradável.
Para entender este jeito de viver em sociedade, é necessário perceber que a visão da propagação do vírus é da classe média, que ocupa espaços dos meios de comunicação e fala da família "estruturada", morando em habitações em condições de convívio. No entanto, a maior parte da população não se enquadra no que gostam de chamar, hoje, de "narrativa" de apresentadores e comentaristas. Com alguma dificuldade, estão preparados para serem casais, mas não para constituir família.
A discussão sobre "a possibilidade que a crise abre para que se incentive o diálogo" é fato para classes em melhores condições, mas dá com os burros na água quando pai, mãe e dois filhos ficam confinados num apartamento com cerca de 50 metros... Depois de algum tempo, fica difícil pedir e até forçar para que fiquem dentro de "casa". O clima se torna pesado e mostra para os pais que tudo o que reclamavam dos professores, agora, precisam reconhecer que tem sua origem muito mais próxima.
O processo de educação inicia em casa. Os hábitos de higiene deveriam ser aprendidos na família, durante a infância. Mas estão sendo reaprendidos por necessidade e como consequência vem o distanciamento social e o uso da máscara. Ainda se vê distraídos andarem como "papagaios de pirata" - pendurados nos ombros alheios, mas em situação normal (e não nas aglomerações causadas pela incapacidade do governo em organizar a distribuição de renda) há quem fiscalize para se respeitar as distâncias.
Profissionais têm dificuldades em dar uma boa definição para "educação" e "ensino". Pode-se referir ao primeiro como o que dá, ao indivíduo, princípios (valores, hábitos, referências...), enquanto o segundo trata da transmissão de conteúdos em diversas áreas (português, matemática, história...), mas sabendo que, além da família, a escola e as religiões deveriam ter seu papel no desenvolvimento integral da pessoa.
Para ampla parcela da população, não somente a marginalizada, também a que terceirizou a educação, este processo se deteriorou... o que não foi feito em casa foi atirado nos ombros dos professores... Pais que, agora, acompanham o aprendizado dos filhos se dão conta de que falharam. Porém, a crise pode ser tempo de oportunidades para repensar relações: a medida do Mundo não é o próprio ego, mas as "parcerias" - já que mesmo depois do erro, não deixam desistir de encontrar um novo caminho!

terça-feira, 12 de maio de 2020

"Que Deus te abençoe"

"Quando o abril acabar" foi o texto que escrevi no início daquele mês. Alerta para o quadro que se instalava, diante dos números que começavam a atropelar por parte da pandemia do coronavírus. O que eram estatísticas iniciais tornaram-se dados alarmantes indicando que o pior ainda não chegou, já que uma "contabilidade macabra" indica que recebemos com atraso dados de infectados e mortos e que não há sinais de arrefecimento na chamada curva ascendente, em curto e médio prazo.
A ausência de material para testes está dando com cerca de duas semanas de atraso uma visão do que se passa no país e as autoridades estão atordoadas porque veem o problema ser bem maior: maior número de infectados, UTIs não comportam o número de pacientes, funerárias despreparadas para tantos enterros, famílias assustadas quando tem que tratar de um doente... E o pior: o avanço do vírus que deixa os centros com maiores recursos e mostra a sua face mais perversa nas periferias...
Pesquisadores chamam a atenção para a realidade que demonstra o quanto os dados apresentados por dirigentes públicos estão desatualizados e os portais de transparência dos cartórios registram óbitos com números diferentes das estatísticas oficiais. Mais do que suficiente para que qualquer pessoa de bom senso siga na contramão de quem deseja o relaxamento das medidas de isolamento. Ao contrário - sem ser alarmistas - sabem que é hora de restringir a mobilidade social.
Entre autoridades com medo das implicações políticas e cientistas cansados de discutir o "sexo dos anjos", está a população, aprendendo da pior forma: teima em não usar máscaras, acha engraçados os cuidados da área da saúde, mas não sabe o que fazer quando sente o bafo do coronavírus... Não é mais a discussão sobre o que vai sobrar na economia, mas quem vai sobreviver para contar a história... e que história!
Seguindo as normas de proteção, num destes horários especiais de atendimento para idosos e pessoas em situação de risco, fui atendido no caixa do mercado por um rapaz de Bagé. A conversa correu em torno do frio, que era maior na sua terra. Contei da experiência de ter saído daqui, numa ocasião, para dar aulas naquela cidade, com cerca de 12 graus e cheguei lá com 7 e encarangado! Falamos a respeito de pessoas ligadas à Igreja Católica, especialmente os padres Júnior e Domingos - conhecidos comuns.
Estava de saída, quando me disse: "que Deus te abençoe!" Fiquei surpreso, mas respondi que sim, que precisamos de Sua proteção... Era bom iniciar o dia percebendo a consciência e força para tocar a vida. Energia vinda da fé, religião ou de sua crença... Pensei que a frase é clássica, mas precisa ser repetida como mantra: "vai passar!" Em tempos bicudos, não se consegue dar e receber um aperto de mão ou um abraço, mas não podem faltar, também, uma palavra de estímulo... e um olhar de carinho!

terça-feira, 5 de maio de 2020

Um pacote de bolachinha doce...

Economistas começaram a mapear os números do desemprego no Brasil, consequência das dificuldades financeiras já enfrentadas e a pandemia do coronavírus. Alertam para os problemas que as classes pobres enfrentarão para conseguir alimentos e uma consequência - que se não é natural - acaba se dando quando a ausência do estado e da sociedade organizada marginalizam esta parcela da população: a violência. Especialmente em cidades de porte médio e grande, 30 por cento da população passará necessidades.
Setores da sociedade se esforçam para suprir a ausência do estado. Mas não vão aguentar por muito tempo, especialmente se as necessidades aumentarem. A solidariedade se manifesta quando pessoas se oferecessem pra comprar alimento; cozinham na rua; distribuem quentinha; abrem as portas de instituições para distribuir o que angariam em mobilizações que podem durar algum tempo, mas não podem se manter para sempre...
É preciso uma resposta institucional dos governos. Centros como Pelotas, Rio Grande e Bagé deveriam ter, por parte de suas prefeituras, mapa que referenciasse os mais carentes, aqueles que dependem de bicos, pequenos serviços, catadores, diaristas... com ações que minimizem suas dificuldades de acesso a bens de primeira necessidade, especialmente a alimentação. Poderiam ser auxiliadas pelas igrejas tradicionais, que possuem capilaridade social, caso da Católica e algumas evangélicas.
Boa parte da sociedade não tem se omitido e dá a sua contribuição. São louváveis e merecem apoio as atitudes isoladas ou em grupo de pessoas que se comovem e se motivam para a prática da solidariedade. Isto pode ser feito durante algum tempo, mas vai precisar ser sistematizado para que não aconteça, por exemplo, como o grupo que preparava sacolas básicas e, em alguns casos, passou a receber de volta, porque as pessoas não conseguem comprar o gás para o preparo do alimento...
Uma entidade religiosa que recebe crianças em situação de risco - possibilitando atendimento em turno inverso e alimentação - resolveu fazer um kit onde incluía a comida e material de higiene (álcool gel e sabão). As famílias atendidas passaram a receber aqueles produtos possibilitando, como uma delas disse, que pudessem fazer uma janta, já que, para uma família grande, não era suficiente para duas refeições. E não poderiam deixar as crianças dormir de barriga vazia...
A cena mais impactante se deu ao encontrarem uma surpresa em meio aos produtos da sacola: um pacote de bolachinha doce... Olhares de idosos, jovens e crianças iluminaram-se por aquele pequeno gesto de carinho - a alegria do diferencial - de alguém que pensou que, em meio a todas as tristezas e necessidades, não se pode deixar que se brutalizem as relações: a vivência de um dia a dia difícil, sem que "se perca a ternura jamais!"