terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Uma cultura do envelhecer

Piadinha: o senhor vai ao médico revisar o aparelho de audição. Testado, o especialista pergunta: "sua família ficou feliz?" Resposta: "eu ainda não contei." Incrédulo, a questão: "porquê?" Sorrizinho zombeteiro: "eles acham que eu não ouço nada... na última semana, mudei meu testamento três vezes..." Foi do que lembrei acompanhando recentes discussões a respeito do celibato dos padres da Igreja Católica provocadas pela participação - ou não - de Bento XVI num livro que trata do assunto.
Quando o papa resignou, comprometeu-se a se afastar do comando da Igreja e recolher-se a um silêncio de oração. Continua escrevendo, mas pelas fotos vê-se que o envelhecimento acentuou-se e, ao invés de ser envolvido por celeuma, precisa de cuidados. Embora todas as pregações sobre a valorização do idoso, a distância entre teoria e prática mostra que, mesmo entre religiosos, disputas por interesses ideológicos e poder fazem perder a noção do respeito pelo ser humano.
O que acontece em nível de instituições também se dá em casas geriátricas e famílias. Por um endeusamento da juventude e falta de uma cultura do envelhecer, acredita-se que, se o idoso tiver cama, alimentação, roupa limpa, atendimento médico, deveria dar graças a Deus... Porquê? Cada vez mais pessoas ultrapassam os 60 anos em condições de administrar as próprias vidas. Precisam, sim, dar-se conta dos seus limites e utilizá-los para vencer o medo do tempo que passa e, especialmente, da morte.
No dia a dia, veem-se casos piores: pessoas que não querem se responsabilizar por idosos, mas saber que bens possuem e se já destinaram para alguém... Fazem-se de atenciosos enquanto têm alguma chance de serem beneficiados e se não houver nada disto envolvido, então... "Mutretas" começam quando convencem o idoso a disponibilizar seu cartão para receber o benefício. É triste ver filhos, netos e pseudoresponsáveis utilizarem para empréstimos e pagar as próprias contas!
A cultura do envelhecer inicia aos 40 anos, no alvorecer da Terceira Idade, quando é preciso prestar atenção a exercícios - fundamentais para se livrar de dores costumeiras, especialmente das "juntas"; criar espaços de sanidade mental, tanto individual como em grupo; ajudar a cuidar de filhos e netos, mas, especialmente, transformar moradia em lar, lugar para cultivar plantas, ter seu animalzinho de estimação, ler, assistir filmes, ouvir música e aproveitar as redes sociais como janela aberta para o Mundo.
A lembrança do que aconteceu com o papa é porque também a sociedade precisa se preparar para envelhecer... E sair de cena! Viver mais não significa maior qualidade de vida. Um idoso pode até parecer "um sem noção" porque a memória e a inteligência lhe pregam peças, sem apagar a sua - e nossa - história... Como diz Cecília Sfalsin: "passam-se os anos e o que fica são as marcas de um tempo vivido, sentido e vencido".

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