terça-feira, 23 de abril de 2013
Semana Santa: um perturbador da ordem social
O mestre implodiu a maneira de pensar e de viver dos homens que constituíam a cúpula de Israel. A cúpula de Israel era rígida, radical, moralista. Como disse, ela odiava os coletores de impostos e apedrejava as prostitutas. Não se misturava com as pessoas simples e pouco se importava com suas necessidades básicas. Entretanto, apareceu naqueles ares um homem simples, mas que possuía uma eloquência incomum. Naquela altura os discípulos o valorizavam intensamente, o consideravam nada menos que o próprio “filho de Deus”. Entretanto, naquela noite, ele tomou algumas atitudes que chocaram todos eles.
Nenhum ser humano esteve em uma posição tão alta como a dele. Todavia, paradoxalmente, ninguém se humilhou tanto como ele. Ele teve a coragem de abaixar-se até os pés dos seus incultos discípulos e lavá-los silenciosamente. Se estivéssemos naquela ceia e não fôssemos íntimos de Cristo, fugiríamos daquela cena desesperadamente. Ficaríamos escandalizados com suas palavras. Comer a carne de um homem? Saborear o seu corpo? Nunca ouvi falar de alguém que estimulasse os outros a comerem o seu próprio corpo.
O mestre de Nazaré, após banquetear-se, discursar sobre seu sangue e seu corpo e cantar, saiu do cenáculo. Fora, a campo aberto, ele iniciou um longo e profundo diálogo com seus discípulos. Havia uma atmosfera incomum de emoção. Nessa atmosfera, ele revelou os segredos ocultos do seu coração. À mesa, discursou brevemente sobre sua missão, porém um clima de dúvida reinava entre aqueles galileus. Agora, ao ar livre, se abria a eles como nunca.
Os discípulos estavam para perder o seu mestre. Este, por sua vez, além da dor imensa da partida, teria de enfrentar noite adentro e na manhã seguinte o seu martírio. O momento era de grande comoção. Todavia, num clima onde só havia espaço para chorar, Jesus mais uma vez toma uma atitude imprevisível. No meio da sua oração ele discursa sobre o prazer. Ele roga ao Pai para que todos os seus seguidores não fossem pessoas tristes, mas que tivessem um prazer pleno. Disse: “... para que eles tenham o meu gozo completo em si mesmos”.
Após sua oração sacerdotal, foi sem medo ao encontro de seus opositores. Entregou-se espontaneamente. Procurou um lugar tranquilo, sem o assédio da multidão, pois não desejava qualquer tipo de tumulto ou violência. Não queria que nenhum dos seus corresse perigo. Preocupou-se até mesmo com a segurança dos homens encarregados de prendê-lo, pois censurou o ato agressivo de Pedro a um dos soldados.
Judas cometeu uma das mais graves traições da história. Por quanto ele o traiu? Trinta moedas de prata, na época representava o preço de um escravo. Nunca alguém tão grande foi traído por tão pouco. O homem que abalou o mundo foi traído pelo preço de um escravo...
O momento crucial desse projeto chegou: beber o seu cálice, atravessar o seu martírio. Naquele escuro jardim, ele precisava se preparar para suportar essa tormenta. Nesse processo de preparação, ele revela a sua dor e começa a dialogar sobre ela com o Pai. Foi somente aí que os seus amigos começaram a perceber que sua morte estava mais próxima do que imaginavam.
O mais dócil e amável dos homens foi espancado, ferido e torturado. O seu Pai estava assistindo a todo o seu martírio. Podia fazer tudo por ele, mas, se interviesse, a humanidade estaria excluída do seu plano. Por isso, nada fez. Foi a primeira vez na história que um pai teve pleno poder e pleno desejo de salvar o seu filho, de estancar a sua dor e punir os seus inimigos e se absteve de fazê-lo. Quem mais sofreu, o filho ou o Pai? Ambos.
Que entrega arrebatadora! Deus estava soluçando em todos os cantos do universo. O imenso universo ficou pequeno demais para o Todo-poderoso. O tempo, inexistente para o Onipresente, pela primeira custou a passar. Cada minuto se tornou uma eternidade.
O comportamento do “Deus Pai” e o do “Deus filho” implodem completamente nossos paradigmas religiosos e filosóficos, dilaceram os parâmetros da psicologia. Em vez de exigirem sacrifícios e reverências da humanidade, ambos se sacrificaram por ela. Pagaram um preço indescritível para dar para eles o que consideravam a maior dádiva que um ser humano pode receber, aquilo que Cristo chamava de o “outro consolador”, o Espírito Santo. Que amor é este que se doa até as últimas consequências? (O Mestre da Sensibilidade – Augusto Cury)
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