Na manhã do dia 26 de janeiro, a mãe partiu. Da mesma forma como viveu, tranquilamente, apenas apagou em meus braços, na cama em que a encontrava todas as manhãs, para a primeira medicação do dia. Assim como, à noite, depois de rezar o Pai Nosso, com um Anjinho que a acompanhava nos últimos anos, deixava o cd do padre Zezinho tocando e a luz acesa, garantindo que voltaria... com um beijo.
Quase sempre, ao retornar, já a encontrava dormindo. Abençoava-a rezando o "Santo Anjo..." e dando graças a Deus por mais um dia. Nos últimos tempos, com o acerto das cuidadoras e das medicações, aos 93 anos, era um quadro estabilizado que me levava a pensar que viveria ao menos até os 94, 95 anos. Mas o coração falhou. E ela não disse mais nada enquanto "adormecia", ainda olhando para mim...
O tempo de preparação para o enterro é rico em recordações e reencontros. Pude ouvir e entender a história de meus pais - que aos 30 anos, saíram do interior de Canguçu como migrantes - assim como muitos outros. Havia mais coisas além dos fatores econômicos - família grande, pouca terra, a pobreza se instalando. Mas ainda era um tempo em que as famílias se preocupavam uns com os outros.
Os irmãos mais velhos ficavam na terra e os mais novos saiam para tentar a sorte. Ajudando do jeito que desse: quando alguém vinha para a cidade, mandavam todo o tipo de provisão; nas férias acolhiam as crianças, propiciando a economia de alguns trocados com a comida. Uma amiga contou que a família recebeu o irmão do pai em situação de bastante dificuldade. Jovem, o rapaz voltava das aulas faminto e, possivelmente, não soubesse que a sua janta era a comida que a dona de casa trocara por uma xícara de café e um pedaço de pão...
O cobertor era curto, mas, de alguma forma, sempre cabia mais um. Do jeito que entendiam a vida encaminharam seus filhos. Alguns partiram bem mais cedo do que se esperava e chegou o momento que, de cuidadores, passaram a ser cuidados. Nunca me eximi desta responsabilidade. Mas gostaria de ter feito mais. Confesso que, nos últimos tempos, ser responsável pela mãe era um fardo leve e muito bom de carregar. Já não eram palavras que nos aproximavam, mas olhares, sorrisos, toques...
A vida seguiu o seu rumo na véspera de sua morte, uma sexta. Fechar a casa, apagar as luzes, cuidar se seu sono estava normal. Murmurar um: "boa noite, mãe!" e dar mais um beijo... Na sua despedida, olhando para seu corpo, pensei no quanto sentiria sua falta. Era, mais do que a dor, uma ausência nas coisas simples: ajudar a trocar uma roupa, colocar na cadeira de rodas, alcançar um alimento, assoar um nariz... A vida que alimenta nossas lembranças e instala no peito uma imensa saudade!
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