Um amigo disse que tinha chegado aos 85 anos e estava no
tempo de morrer. Achando que era brincadeira, perguntei o por quê: "meu
pai morreu aos 85. E morreu bem. Minha mãe se arrastou até os 93 e
definhou..." Por trás daquilo que alguns julgaram ser um ataque de
rabugice estava uma grande verdade: a própria natureza coloca limites na
conservação do corpo, em todos os sentidos.
Pode haver exceções. Embora esta seja a regra: ao
passar dos 85, mais facilmente começa a se perceber os sinais do
envelhecimento, com a debilidade do físico, nem sempre acompanhada da
debilidade do espírito. É este desafio que se coloca para a medicina, assim
como para profissionais e familiares que acompanham o idoso.
Quem conviveu ou convive com pessoa idosa sabe o
quanto é difícil aceitar o fato de não conseguir realizar certas tarefas e
precisar de amparo porque a memória lhe prega peças. Há casos em que a pessoa é
dócil e, então, a tarefa é mais fácil, embora não menos penosa. Porque quando
se restringem os movimentos também começam as restrições da vida social. É a
finitude toldando o horizonte da própria vida.
Da experiência com meus pais aprendi muito,
especialmente que tudo o que foi apreendido pode ir por água a baixo e
necessitar de revisão no dia seguinte. Munir-se de paciência, carinho,
companheirismo e solidariedade é regra que impede a soberba, de infantilizar ou
coisificar o idoso, mas também de que, na nossa própria perspectiva, o
envelhecimento é certo e a morte um futuro que não se tem como descartar.
Quando me perguntaram porque procurei uma pessoa idosa
da qual passei afastado a maior parte da vida, já não tinha mais dúvida: hoje,
não exercendo função pública, não pode me beneficiar financeiramente e nem em
prestígio. Gosto de estar com ela porque fez muito pela minha formação e o que
faço satisfaz uma parte das suas necessidades, assim como o meu sentimento de
ser, de alguma forma, útil.
A utilidade de um idoso é a sua própria inutilidade. A
solidão, em qualquer idade, mas especialmente na velhice, é a negação do
direito de ter ao lado alguém que não quer nos empurrar ou puxar, mas apenas
estender a mão. No sentido mais elementar de que viver é a repetição incessante
de atos que nos comprovam que há sentido até o derradeiro sopro de vida. Exatamente
porque ainda somos amados.
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