Sábado à tardinha, bom momento de ir à Feira do Livro de Pelotas e pegar o autógrafo de dois escritores especiais: Luiz Carlos Freitas e Pablo Rodrigues. Depois, circular pela praça Coronel Pedro Osório, sentindo o clima de festa no ar. Passar na Biblioteca Pública, encontrar o Daniel Barbier, com as últimas do mundo cultural e político, e curtir as pessoas aproveitando as ruas e o largo do Mercado.
Quando atravessava a praça, no retorno, vi, de longe, uma cena cheia de carinho: senhora idosa e garoto dos seus seis anos. Encostados no banco, a bicicleta e a bengala. Na mão, uma obra do Augusto Cury e um livro com textos e figuras que se montam quando folheiam as páginas.
Era cedo. Resolvi ser mais proveitoso sentar no banco seguinte e ouvir um pouco daquela cumplicidade. O papo era tão concentrado que esquecia o entorno. Uma frase pairou no ar: “filho, viver é como ler um bom livro. É preciso sorver com gosto cada página e ainda criar expectativa para o final, que sempre deve ser o melhor”.
Um momento de silêncio. O neto: “e o fim do livro é bom?” O olhar da senhora se perdeu em direção ao laguinho dos peixes. Quando voltou, tinha o sorriso impregnado de respostas e a paciência de quem já meditou muitas perguntas: "o final depende do que a gente experimentou na vida".
Surpreso, o neto tentou argumentar: “como assim, vó?" Um carinho na cabeça: “deixa assim, filho, tá na hora de ir pra casa". Antes de pegar a bicicleta, entregou a bengala para a idosa, que pendurou a sacola com os livros. As mãos livres se encontraram. Lentamente seguiram em direção da rua.
Ainda fiquei algum tempo sentado, certo de que a cena dizia bem mais do que eu havia visto e ouvido. Gosto muito das letras. Gosto muito de livros. Mas gosto mais ainda quando vejo a cumplicidade que a leitura propicia. Especialmente quando, hoje, se fala em abismo entre gerações.
Voltei ao meu caminho. Mais leve. Com a certeza de que o sábado me abriu uma pequena janela na vida de duas pessoas. A rotina que concretiza a felicidade para o menino que está crescendo. E o quanto é importante envelhecer sem se privar do direito de viver.
Afinal, se muitas vezes a ficção imita a realidade, quando duas mãos cumprem o ritual de andar na mesma direção, junto com um livro, o horizonte é mais atrativo. Faz sentido buscar um final feliz para a própria história.
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