Houve um tempo em que se podia centrar a atenção em um problema do cotidiano, porque os demais se não iam bem ao menos se arrastavam razoavelmente. Nesta dança sem graça passaram a saúde, educação, conservação das cidades e a segurança.
Infelizmente, ainda não vimos solução para nenhum deles, mas alastra suas asas sobre a sociedade a insegurança e, mais ainda, a sensação de impotência por não se poder fazer alguma coisa e nem que exista alguém fazendo algo mais do que boas entrevistas ou lances de marketing.
Todos já tivemos pessoa próxima que foi vítima ou, na sua iminência, necessitou de suporte negado por falta de pessoal ou instrumental necessário. As histórias se repetem, mas uma é a certeza: o cidadão sai para as ruas preocupado ou se encarcera dentro de casa, enquanto vê passar pelas ruas potenciais delinquentes, preferindo não arriscar.
Dona Zola mora num edifício de classe média baixa. Da sacada do apartamento vê a pracinha onde levava seus filhos e, depois, os netos. Agora está vazia. Um bando de jovens se reúne para consumir drogas e fazer arruaça. Num dia, viu o grupo bater num menino que passava. Foi até a entrada e pediu ao porteiro que tomasse providência.
Ele, sem graça, disse que se fizesse alguma coisa os jovens se voltariam contra os moradores. Esperaria que fossem embora e atenderia ao menino. Tentou argumentar, mas sabia que era assim. A lei das ruas: “te mete com a gente, a gente te encontra”.
Voltou para a janela, o garoto já tinha ido embora. Ficou uma ferida em dona Zola. Já fora assaltada na saída de um supermercado, por garotos, quase crianças. Não tinha mais coragem de sair da segurança das grades que cercavam o condomínio, muitas vezes ainda ouvindo da rua as gracinhas sobre a sua idade.
Sentiu falta do tempo em que andar nas ruas era direito sagrado e se tornar um idoso uma distinção que poucos tinham merecimento e garantia respeitabilidade. Ouvira notícias de que além de assaltos, havia chacinas de grupos, pessoas decapitadas ou mutiladas.
Enquanto isto, pelo radinho, autoridades fazem discursos de estudos, grupos sendo formados, mais homens nas ruas. Mas foram muitas gerações até se chegar aonde estamos. Infelizmente, as mudanças não vão acontecer a curto e médio prazo.
Dona Zola não vai mais sair à noite no verão. Triste viu na televisão as falcatruas, roubos, impunidade. Aí inicia o problema: uma sociedade tolerante e omissa esqueceu a sua melhor base - se crianças e jovens estão vagando pelas ruas, é porque falhamos. Sentiu pena de não ver concretizado o que disse Charles Chaplin: sonho com "um mundo bom que a todos assegura o trabalho, que dê futuro à juventude e segurança à velhice".
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