Tinha lá os meus dez, onze anos, em meados da década de 60. Da Vila Silveira, onde sempre morei, em Pelotas, ouvíamos as cornetas (caixas de som de então) dos cinemas Principal ou do Tupy, transmitindo músicas próprias, ou a Grande Parada da Rádio Tupancy, nas tardes de domingo. Na sombra da casa, esperávamos que meus pais saíssem da séstia e dessem o dinheiro necessário para os ingressos das matinés.
Depois, era um desespero entre trocar para a roupa de domingo, juntar os gibis e as bolinhas de gude e fazer a opção por um dos cinemas. Antes das apresentações, a negociação de quem trocava o quê com quem. Acompanhávamos o filme com muita torcida pelos infindáveis sofrimentos dos mocinhos, chegando a hora da torcida numa desabalada carreira em que o bater de pés, nos chãos de madeira, fazia com que o projetista interrompesse o filme até que a calma voltasse a predominar.
Terminado o filme, concretizavam-se as transações e, depois, partia-se para um entardecer onde as rodadas de bolinhas de gude interrompiam as ruas praticamente sem movimento, em contendas que podiam se tornar violentas do tipo: "você roubou!", "não roubei", "roubou, sim!", que poderia ir às vias de fato.
Durante as férias, na semana, alguns horários eram restritos para as atividades de rua. Era então que nossos mundos e os mundos dos gibis se confundiam. Deste tempo ficaram o Pato Donald, Mickey, Tio Patinhas, Huguinho, Zezinho e Luizinho, Madame Mim, Maga Patológica, as Fadinhas, Vovó Donald, daquele mundo de Walt Disney onde a fantasia era um passo para a realidade.
Na Vila Silveira, o mago desta outra realidade era o seu Ananias. Todos os dias, passava com um papelão reforçado onde escondia um mundo: revistas, jornais e, claro, os gibis. Nunca entendi qual era o critério pelo qual meu pai me dava dinheiro para comprá-los. Mas era o suficiente para que, entre os que comprava e aqueles que trocava, tivesse leitura constante.
No Dia do Gibi, a constatação de que é uma literatura ainda existente e necessária. Seguidamente, quando vamos ao supermercado, meu sobrinho acaba também tendo um e fazendo o mesmo ciclo do namoro, encantamento, leitura em sorriso e alegria ao terminar. Mas, claro, são outros tempos: ele já não tem os cinemas de rua, não faz as trocas de gibi, nem passa os finais de tarde jogando bolinha de gude. No entanto, mesmo assim, parece que os Gibis continuam tendo o mesmo valor: afiam a fantasia e auxiliam a que vivamos esta etapa infanto-juvenil com o encantamento que só a vida é capaz de nos dar.
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