Uma das mais belas analogias entre a vida e o processo de educação é o da águia que, quando ensina seus filhotes a voar, chega a um determinado momento em que precisa empurrá-los do ninho para que sintam suas asas e a capacidade de planar. Mostra que os primeiros educadores estão na família e que é exatamente o que ali se aprende que vai direcionar o voo de cada um, seus caminhos e seus destinos...
Foi no que pensei ao ver o vídeo da Educação Adventista que prepara a chegada da Páscoa. Para quem não viu: um menino vai à escola, com sua mãe, e encontra um coleguinha bem mais simples que não tem mochila. Observando suas dificuldades e desastres - chega a derrubar os livros no meio da calçada - quando vai para a merenda se dá conta de que precisa fazer alguma coisa.
O dinheiro que seria para o alimento, assim como aquele que vai recebendo por cumprir outras tarefas - auxiliar a cuidar do pátio, secar a louça, por exemplo - é depositado num cofrinho até as vésperas da Páscoa. Quando saem às compras se mostram surpresos com as inúmeras ofertas de ovos, doces, chocolates... Mas, ao ser estimulado a escolher demonstra seu interesse: uma mochila para o amigo!
O vídeo conclui com um desafio: "o real valor da Páscoa é o valor da entrega". Na cena de encerramento, depois de alcançar o presente, os meninos, na faixa dos 10 anos, estão sentados, brincando, conversando, numa cumplicidade observada pela mãe, que os envolve com o carinho próprio de quem sabe que deu o empurrãozinho certo e que o filho está iniciando a alçar seu próprio voo...
Fiquei pensando nos dez meninos que foram vítimas de um crime na concentração do Flamengo. O tempo passou e o que se vê são matérias abordando o futuro que lhes foi negado. Mas não vejo a Justiça punir quem deveria educá-los, aqueles que os abrigaram de forma inadequada, assim como os servidores públicos, responsáveis por cuidá-los, omissos em fiscalizar o estado em que se encontravam as instalações.
Os meninos do Flamengo não vão mais poder voar... Fizeram sua Páscoa (passagem) de uma forma muito triste. Não importa se suas famílias não tivessem condições de lhes dar um ensino adequado. A natureza lhes deu o dom do futebol e poderiam ter sido a alegria de seus torcedores. Infelizmente, a ganância falou mais alto...
O menino do vídeo vai amadurecer na hora certa. Os do Flamengo não tiveram esta chance. A frase que motiva religiosamente a Educação Adventista diz: "nesta data, lembre-se: Jesus entregou tudo por você!" O consolo é que eles já estejam planando por outros ares, cuidando de seus amigos que ficaram, agora na condição de anjos que também devem jogar suas peladas pelos campinhos do Céu...
domingo, 17 de fevereiro de 2019
domingo, 10 de fevereiro de 2019
A plenitude do presente
No final de semana, dois textos chamaram a atenção: Lya Luft, com o seu "Brumas de Minas" e o professor Osmar Schaefer, com "Cuidados pós-câncer". O primeiro destaca a necessidade de que, mesmo em tempo de notícias tão negativas, não se perca a esperança no ser humano; o segundo o quanto esta mesma esperança é que dá sentido em buscar a continuidade da própria vida.
Lya aborda as perdas no crime ambiental em Brumadinho (poderia se falar da morte dos jovens na concentração do Flamengo), que as pessoas não podem esquecer - especialmente as autoridades - para que as tragédias não se repitam. Mais ainda: que não se aceite como natural a espetacularização da notícia em que o trágico não nos diz respeito, mas satisfaz uma necessidade de indignação virtual.
Lendo o texto do professor Osmar fiquei com a impressão de que nos acostumamos a tratar do físico e do psíquico, mas descuidamos do coração (a fé, a espiritualidade). Cita alguns elementos fundamentais para este cuidado: o protagonismo da saúde, superar o medo, encontrar espaço para a família e amigos, entender o câncer como parte da vida e valorizar as pequenas conquistas.
"Saúde e doença estão entrelaçadas, à semelhança do nascimento e da morte", diz o professor. E é este "intervalo" que se tem para viver. Sofregamente, consciente de que há um princípio e um fim, mais fácil de ser entendido quando nos damos conta de que é exatamente a doença e a morte que superam a experiência da existência e aproximam do Universo e do Infinito.
Aprender a lidar com o principio da vida e com o seu fim está para além de um tratamento médico. É a única forma de não desesperar quando não encontramos ou não entendemos o que está acontecendo com o próprio corpo ou de quem cuidamos. Embora o privilégio em viver num tempo em que o tratamento do câncer evoluiu bastante, ainda há muito caminho a ser percorrido...
Osmar teve como escola a maior sala de aula que alguém pode imaginar: o Mundo. Transformou-se num educador por excelência. Filósofo capaz de abrir os olhos e ajudar a desvendar os caminhos do conhecimento. A doença o faz partilhar de uma experiência única: na qual se vivencia que a dor ensina a ver a teoria na prática.
Sem perder o sentido do "cotidiano peregrino", aprendendo a viver e dar significado à doença, um dos desafios - Lya Luft chama de "pedacinhos dessas dádivas..." - necessários para não perder a fé... Cuidar é um jeito de partilhar a solidariedade - citando o professor Osmar - mas que necessita estar disposto a "saborear a singeleza e a beleza da plenitude do (momento) presente!".
Lya aborda as perdas no crime ambiental em Brumadinho (poderia se falar da morte dos jovens na concentração do Flamengo), que as pessoas não podem esquecer - especialmente as autoridades - para que as tragédias não se repitam. Mais ainda: que não se aceite como natural a espetacularização da notícia em que o trágico não nos diz respeito, mas satisfaz uma necessidade de indignação virtual.
Lendo o texto do professor Osmar fiquei com a impressão de que nos acostumamos a tratar do físico e do psíquico, mas descuidamos do coração (a fé, a espiritualidade). Cita alguns elementos fundamentais para este cuidado: o protagonismo da saúde, superar o medo, encontrar espaço para a família e amigos, entender o câncer como parte da vida e valorizar as pequenas conquistas.
"Saúde e doença estão entrelaçadas, à semelhança do nascimento e da morte", diz o professor. E é este "intervalo" que se tem para viver. Sofregamente, consciente de que há um princípio e um fim, mais fácil de ser entendido quando nos damos conta de que é exatamente a doença e a morte que superam a experiência da existência e aproximam do Universo e do Infinito.
Aprender a lidar com o principio da vida e com o seu fim está para além de um tratamento médico. É a única forma de não desesperar quando não encontramos ou não entendemos o que está acontecendo com o próprio corpo ou de quem cuidamos. Embora o privilégio em viver num tempo em que o tratamento do câncer evoluiu bastante, ainda há muito caminho a ser percorrido...
Osmar teve como escola a maior sala de aula que alguém pode imaginar: o Mundo. Transformou-se num educador por excelência. Filósofo capaz de abrir os olhos e ajudar a desvendar os caminhos do conhecimento. A doença o faz partilhar de uma experiência única: na qual se vivencia que a dor ensina a ver a teoria na prática.
Sem perder o sentido do "cotidiano peregrino", aprendendo a viver e dar significado à doença, um dos desafios - Lya Luft chama de "pedacinhos dessas dádivas..." - necessários para não perder a fé... Cuidar é um jeito de partilhar a solidariedade - citando o professor Osmar - mas que necessita estar disposto a "saborear a singeleza e a beleza da plenitude do (momento) presente!".
domingo, 3 de fevereiro de 2019
"Boa noite, mãe!"
Na manhã do dia 26 de janeiro, a mãe partiu. Da mesma forma como viveu, tranquilamente, apenas apagou em meus braços, na cama em que a encontrava todas as manhãs, para a primeira medicação do dia. Assim como, à noite, depois de rezar o Pai Nosso, com um Anjinho que a acompanhava nos últimos anos, deixava o cd do padre Zezinho tocando e a luz acesa, garantindo que voltaria... com um beijo.
Quase sempre, ao retornar, já a encontrava dormindo. Abençoava-a rezando o "Santo Anjo..." e dando graças a Deus por mais um dia. Nos últimos tempos, com o acerto das cuidadoras e das medicações, aos 93 anos, era um quadro estabilizado que me levava a pensar que viveria ao menos até os 94, 95 anos. Mas o coração falhou. E ela não disse mais nada enquanto "adormecia", ainda olhando para mim...
O tempo de preparação para o enterro é rico em recordações e reencontros. Pude ouvir e entender a história de meus pais - que aos 30 anos, saíram do interior de Canguçu como migrantes - assim como muitos outros. Havia mais coisas além dos fatores econômicos - família grande, pouca terra, a pobreza se instalando. Mas ainda era um tempo em que as famílias se preocupavam uns com os outros.
Os irmãos mais velhos ficavam na terra e os mais novos saiam para tentar a sorte. Ajudando do jeito que desse: quando alguém vinha para a cidade, mandavam todo o tipo de provisão; nas férias acolhiam as crianças, propiciando a economia de alguns trocados com a comida. Uma amiga contou que a família recebeu o irmão do pai em situação de bastante dificuldade. Jovem, o rapaz voltava das aulas faminto e, possivelmente, não soubesse que a sua janta era a comida que a dona de casa trocara por uma xícara de café e um pedaço de pão...
O cobertor era curto, mas, de alguma forma, sempre cabia mais um. Do jeito que entendiam a vida encaminharam seus filhos. Alguns partiram bem mais cedo do que se esperava e chegou o momento que, de cuidadores, passaram a ser cuidados. Nunca me eximi desta responsabilidade. Mas gostaria de ter feito mais. Confesso que, nos últimos tempos, ser responsável pela mãe era um fardo leve e muito bom de carregar. Já não eram palavras que nos aproximavam, mas olhares, sorrisos, toques...
A vida seguiu o seu rumo na véspera de sua morte, uma sexta. Fechar a casa, apagar as luzes, cuidar se seu sono estava normal. Murmurar um: "boa noite, mãe!" e dar mais um beijo... Na sua despedida, olhando para seu corpo, pensei no quanto sentiria sua falta. Era, mais do que a dor, uma ausência nas coisas simples: ajudar a trocar uma roupa, colocar na cadeira de rodas, alcançar um alimento, assoar um nariz... A vida que alimenta nossas lembranças e instala no peito uma imensa saudade!
Quase sempre, ao retornar, já a encontrava dormindo. Abençoava-a rezando o "Santo Anjo..." e dando graças a Deus por mais um dia. Nos últimos tempos, com o acerto das cuidadoras e das medicações, aos 93 anos, era um quadro estabilizado que me levava a pensar que viveria ao menos até os 94, 95 anos. Mas o coração falhou. E ela não disse mais nada enquanto "adormecia", ainda olhando para mim...
O tempo de preparação para o enterro é rico em recordações e reencontros. Pude ouvir e entender a história de meus pais - que aos 30 anos, saíram do interior de Canguçu como migrantes - assim como muitos outros. Havia mais coisas além dos fatores econômicos - família grande, pouca terra, a pobreza se instalando. Mas ainda era um tempo em que as famílias se preocupavam uns com os outros.
Os irmãos mais velhos ficavam na terra e os mais novos saiam para tentar a sorte. Ajudando do jeito que desse: quando alguém vinha para a cidade, mandavam todo o tipo de provisão; nas férias acolhiam as crianças, propiciando a economia de alguns trocados com a comida. Uma amiga contou que a família recebeu o irmão do pai em situação de bastante dificuldade. Jovem, o rapaz voltava das aulas faminto e, possivelmente, não soubesse que a sua janta era a comida que a dona de casa trocara por uma xícara de café e um pedaço de pão...
O cobertor era curto, mas, de alguma forma, sempre cabia mais um. Do jeito que entendiam a vida encaminharam seus filhos. Alguns partiram bem mais cedo do que se esperava e chegou o momento que, de cuidadores, passaram a ser cuidados. Nunca me eximi desta responsabilidade. Mas gostaria de ter feito mais. Confesso que, nos últimos tempos, ser responsável pela mãe era um fardo leve e muito bom de carregar. Já não eram palavras que nos aproximavam, mas olhares, sorrisos, toques...
A vida seguiu o seu rumo na véspera de sua morte, uma sexta. Fechar a casa, apagar as luzes, cuidar se seu sono estava normal. Murmurar um: "boa noite, mãe!" e dar mais um beijo... Na sua despedida, olhando para seu corpo, pensei no quanto sentiria sua falta. Era, mais do que a dor, uma ausência nas coisas simples: ajudar a trocar uma roupa, colocar na cadeira de rodas, alcançar um alimento, assoar um nariz... A vida que alimenta nossas lembranças e instala no peito uma imensa saudade!
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