Qualquer cozinheiro de médio conhecimento culinário tem uma receita de "escondidinho". O que você prepara é de galinha, carne moída, de legumes? Quantos mais? Pois existe o "escondidinho de saudade"! É uma receita muito especial, quando a família foi tomando diferentes rumos e é necessário dar sentido à vida de um idoso, especialmente naqueles momentos de solidão.
A nossa casa foi sendo preparada para, no final de semana, quase sempre ter dez, 12 pessoas. As perdas, as ausências e os novos caminhos propiciaram que, no domingo, restássemos apenas dona Francinha e eu. Ao invés de ir à mesa, fica mais fácil preparar duas bandejas e nos acomodarmos diante da televisão.
Cozinhar para dois? Nem pensar. Então, recorre-se a um restaurante, seleciona-se aquilo que se julga do gosto de uma pessoa idosa, mas, também, o que é necessário para manter as energias e dar alguma alegria ao corpo. E aí? o "escondidinho" inicia ao pegar um pouco de cenoura, de couve flor e misturar com o arroz ou com a massa. O franguinho e o bolo de queijo é desmanchado de tal forma que se confunda com os demais alimentos. Cumpre-se o ritual da refeição, mas também dá um colorido que estimula o apetite.
Enquanto se assiste televisão, durante o almoço, vem os ecos da saudade e das coisas feitas em comum: a preferência do pai em assar no forno elétrico, quando era capaz de fazer uma forma alimentar mais de dez pessoas; a possibilidade de uma boa paeja gaúcha, trocando os ingredientes do mar, pelas nossas carnes da terra; os metidos a assadores, que preferem o gosto da carne misturado com o cheiro do carvão ou da lenha.
O tempo que passa também deixa as suas marcas. E, entre os escondidinhos da culinária e os escondidinhos da saudade que vão se formando, também se filtram as necessidades, de, ao passar inexorável da batida dos relógios, aprender que já não precisamos de muitas coisas. Ao final de uma refeição, recolher pratos e talheres, alguns grãos que ficaram sobre a bandeja, trazer a medicação de todos os meios-dias e um olhar de agradecimento. Melhor de tudo, o reconhecimento de que não é apenas um gesto para apenas prolongar uma vida: é um jeito silencioso de também ser feliz!
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