Estava jogada ali fazia um bom tempo. Ninguém voltou para buscá-la. Esquecida, depois de todo o carinho que deu e recebeu, de afagos e juras. Ficou sobre o travesseiro que já não seria utilizado. Quase sempre é objeto da cobiça de crianças, mas conheci pessoas idosas que também alimentavam recordações, transferiam sentimentos, transformavam um objeto em algo mais do que humano, quase divino.
Uma pequena boneca de pano, as mãozinhas juntas e um chapéu ao estilo germânico. Ao apertar suas mãos, inicia a prece do Pai Nosso. A doença havia feito com que ela fosse parar no Hospital, acompanhando a dona. Quem sabe quantos momentos de dor foram superados pelo olhar carinhoso da boneca que, apenas, podia, em troca, acolher juras, confidências, e fazer uma oração tão simples: “pai nosso, que estás nos céus...”
Mas agora ficou para trás. Só pode significar que sua dona já não consegue mais aceitar a sua silenciosa solidariedade. Deixou no passado, possivelmente, também as dores, tristezas e desilusões. Em outro plano, encontra todas as compensações que lhe foram negadas e a companhia que tanto desejou.
Também dei bonecas destas para pessoas amigas. Mas nunca esperei encontrar uma nesta situação. O ato de presentear é um afago, para a pessoa saber que não está sozinha, deixa-se um sinal de que estaremos juntos, por maiores que sejam as dificuldades, mesmo que não fisicamente. Sempre me surpreendi quando dava uma delas a pessoas idosas. O sorriso de uma criança, ao receber, é de satisfação pelo agrado, mas, o de um idoso é, entre lágrimas, de quem espera mais do que apenas um presente, uma presença de carinho.
Pode-se dizer que uma boneca é apenas uma boneca, um objeto que, algum dia, será descartado. Será? Aquela, no travesseiro da enfermaria, carregava a afetividade de uma pessoa desconhecida que deve, muitas vezes, ter unido as mãozinhas para murmurar uma prece: ouvida por Deus, que serenou um coração e o recebeu como o suave perfume das almas capazes de transcender o objeto e dar-lhe um sentido na oração.
sábado, 24 de julho de 2010
domingo, 18 de julho de 2010
A bengala da fé
A Esfinge cortava o caminho do viajante e propunha um enigma: “qual é o animal que anda com quatro patas, pela manhã; duas ao meio-dia e três ao entardecer”. E punha contra a parede: “ou resolves, ou te devoro!”. A resposta parece simples: o homem, pela manhã (início da vida) engatinha; ao meio-dia (em sua plenitude) em pé; e ao entardecer (velhice), auxiliado por uma bengala. Não há estatística de quantos foram devorados.
Em casa, compramos uma bengala de madeira, clara (creio que é bege), que foi utilizada por dona França (minha mãe), quando restaurava uma bacia lascada; hoje o seu Manoel (meu pai), faz uso dela, enquanto se recupera das aplicações de radioterapia. Propus que marcássemos a bengala com a primeira letra de todos os que a utilizaram e que já começássemos a organizar a fila daqueles que ainda vão utilizá-la.
Mas a bengala que auxilia a caminhar e uma ideia muito próxima das bengalas que utilizamos: há uma para a memória; outra para os sentimentos e, até, para a religião. Foi exatamente esta que me impressionou quando ouvi o que as pessoas fazem na relação com o Divino, independente de religião: um Deus refém. “Eu faço tal coisa, mas tens que me retribuir”. Também com seus Santos de devoção: há uma lenda de que Santo Antônio, para os casamenteiros, deve ter o corpo separado da cabeça, ou mergulhado em água, até que arrume marido ou mulher.
Estranho jeito de fé. Fé é exatamente isto: colocar-se nas mãos de Deus e também possíveis problemas. Não há exigências, para que também não haja desilusão quando as coisas não acontecem como queríamos. A resposta de Deus é sempre uma graça, alcançada não por merecimento, mas por ter colocado a vida em suas mãos. Seduziu-me uma frase: “não apresente o seu problema para Deus, mas apresente Deus para o seu problema”. Ele é bem maior. Não é apenas um jogo de palavras, mas uma verdade: mesmo que não entendamos, em determinado momento, o que se passa, a melhor forma de enfrentar o destino é repetir o já gasto refrão: “segura na mão de Deus. E vai”.
Em casa, compramos uma bengala de madeira, clara (creio que é bege), que foi utilizada por dona França (minha mãe), quando restaurava uma bacia lascada; hoje o seu Manoel (meu pai), faz uso dela, enquanto se recupera das aplicações de radioterapia. Propus que marcássemos a bengala com a primeira letra de todos os que a utilizaram e que já começássemos a organizar a fila daqueles que ainda vão utilizá-la.
Mas a bengala que auxilia a caminhar e uma ideia muito próxima das bengalas que utilizamos: há uma para a memória; outra para os sentimentos e, até, para a religião. Foi exatamente esta que me impressionou quando ouvi o que as pessoas fazem na relação com o Divino, independente de religião: um Deus refém. “Eu faço tal coisa, mas tens que me retribuir”. Também com seus Santos de devoção: há uma lenda de que Santo Antônio, para os casamenteiros, deve ter o corpo separado da cabeça, ou mergulhado em água, até que arrume marido ou mulher.
Estranho jeito de fé. Fé é exatamente isto: colocar-se nas mãos de Deus e também possíveis problemas. Não há exigências, para que também não haja desilusão quando as coisas não acontecem como queríamos. A resposta de Deus é sempre uma graça, alcançada não por merecimento, mas por ter colocado a vida em suas mãos. Seduziu-me uma frase: “não apresente o seu problema para Deus, mas apresente Deus para o seu problema”. Ele é bem maior. Não é apenas um jogo de palavras, mas uma verdade: mesmo que não entendamos, em determinado momento, o que se passa, a melhor forma de enfrentar o destino é repetir o já gasto refrão: “segura na mão de Deus. E vai”.
domingo, 11 de julho de 2010
Torrei o amendoim
A expressão é: “rei morto, viva o rei!” Significando que acabado com um é preciso que o trono não tenha vacância e se escolha um novo. Pois a África do Sul cumpriu seu papel ao realizar a Copa do Mundo de Futebol da FIFA. Agora é a vez do Brasil, em quatro anos, aperfeiçoar o que tem e criar o que é necessário, especialmente em infra-estrutura, para atender a milhares de profissionais e turistas que acompanharão o evento.
Mas não são apenas os governos, em todas as instâncias, mais as instituições ligadas ao futebol, que podem ganhar com esta realização. É um espetáculo que exige investimentos macros: estradas, transporte, comunicações, saúde; mas também em áreas bem mais simples: como pedreiros, copeiras, recepcionistas, motoristas, etc.
O ingrediente fundamental é a capacidade de investir e de ousar para encontrar nichos que possam ser ocupados. Na África, até o pessoal que vendia nas ruas: lanches, lembranças e bandeiras ou chapéus (inclusive a malfadada vuvuzela), foram instruídos em como receber e tratar os turistas. E isto não vai se dar apenas nas 12 sedes que terão os jogos, mas em muitas cidades de médio e pequeno porte que também poderão abrigar as preparações e... Investimentos, grandes investimentos.
Porém, é necessário mostrar serviço, que inicia agora quando a tempo de preparar projetos e candidatar as sedes. O desenvolvimento das diversas áreas do Estado permite que muitas micro-regiões se candidatem, até em conjunto, buscando prestar um serviço e receber benefícios. Há recursos públicos, que devem ser bem fiscalizados, e privados que tem razão em esperar retorno, mas sem a ganância que inviabiliza bons serviços.
O professor Sílvio tem razão: não sou um bom cozinheiro. A brincadeira foi porque, no artigo anterior, contei que aprendi a fazer pão. Recentemente, seguindo o aprendizado da cozinha: torrei o amendoim. Sou um cozinheiro burocrático, repito receitas, e me falta ousadia para aventurar em ingredientes diferentes. Esta será a diferença entre aqueles que apenas assistirão à Copa de 2014 e aos que encontrarão brechas criativas para seus negócios e municípios, em quatro anos que prometem modificar o Brasil. Tomara. Que venha a Copa e sejam bons e comoventes momentos para todos nós.
Mas não são apenas os governos, em todas as instâncias, mais as instituições ligadas ao futebol, que podem ganhar com esta realização. É um espetáculo que exige investimentos macros: estradas, transporte, comunicações, saúde; mas também em áreas bem mais simples: como pedreiros, copeiras, recepcionistas, motoristas, etc.
O ingrediente fundamental é a capacidade de investir e de ousar para encontrar nichos que possam ser ocupados. Na África, até o pessoal que vendia nas ruas: lanches, lembranças e bandeiras ou chapéus (inclusive a malfadada vuvuzela), foram instruídos em como receber e tratar os turistas. E isto não vai se dar apenas nas 12 sedes que terão os jogos, mas em muitas cidades de médio e pequeno porte que também poderão abrigar as preparações e... Investimentos, grandes investimentos.
Porém, é necessário mostrar serviço, que inicia agora quando a tempo de preparar projetos e candidatar as sedes. O desenvolvimento das diversas áreas do Estado permite que muitas micro-regiões se candidatem, até em conjunto, buscando prestar um serviço e receber benefícios. Há recursos públicos, que devem ser bem fiscalizados, e privados que tem razão em esperar retorno, mas sem a ganância que inviabiliza bons serviços.
O professor Sílvio tem razão: não sou um bom cozinheiro. A brincadeira foi porque, no artigo anterior, contei que aprendi a fazer pão. Recentemente, seguindo o aprendizado da cozinha: torrei o amendoim. Sou um cozinheiro burocrático, repito receitas, e me falta ousadia para aventurar em ingredientes diferentes. Esta será a diferença entre aqueles que apenas assistirão à Copa de 2014 e aos que encontrarão brechas criativas para seus negócios e municípios, em quatro anos que prometem modificar o Brasil. Tomara. Que venha a Copa e sejam bons e comoventes momentos para todos nós.
domingo, 4 de julho de 2010
O pão nosso de cada dia
Quando criança, gostava de sentar à mesa da cozinha (elas eram enormes - talvez a perspectiva da visão da infância) e ver minha mãe e tias sovarem a massa do pão. Era preciso paciência, não podia haver nervosismo, nem outro problema (com o qual as mulheres convivem periodicamente), porque, então, a massa “desandava”. Depois, era preciso um tempo para a massa descansar, coberta por um pano, e, só então, ir ao forno.
Foi a lembrança que me veio quando fiz, aos 55 anos, pela primeira vez, um pão. Claro, não tinha todo aquele ritual, porque feito numa máquina elétrica, mas respeita as mesmas etapas: é preciso sovar a massa, para unir todos os elementos; segue-se um tempo de descanso em que a máquina se mantém em silêncio; e o processo de assar, em que a massa branca vai tomando forma e mostrando a coloração peculiar a um pão, crescendo e tornando-se o alimento pelo qual lutamos no nosso dia a dia.
Aqui em casa, o piloto oficial da máquina de pão é o meu pai. Neste momento, ele está provisoriamente liberado desta função para poder se preocupar com a sua saúde. Então, entrei em ação e aprendi a fazer pão e, até – invejem! – a cozinhar pinhão! Tornei-me um autêntico dono de casa. Não sei se sou o número dois, três ou quatro, na ordem daqueles que executam as tarefas domésticas, mas isto não está me preocupando.
Fazer estas pequenas coisas tão necessárias a uma rotina de nossas vidas tem feito a diferença em não desperdiçar aquilo que outros fazem e que não valorizamos: o pão à mesa é obrigação de alguém; o leite aquecido surge do nada; a criatividade em procurar um cardápio diferente todos os dias não é minha preocupação.
Quem lida com esta rotina sabe que alimentar uma família com criatividade é um calvário de todos os dias. Eu estou aprendendo a ser enfermeiro, acompanhante e, até, cozinheiro. Estou aprendendo a ter a tolerância (poderia ser paciência?), que nunca foi o meu forte. Cada pequena vitória ensina algo muito simples: como esquentar um alimento, alcançar uma medicação, ou simplesmente valorizar uma máquina que desliga e me oferece um alimento novinho, apenas pedindo uma cobertura de manteiga e uma xícara de café: o pão nosso de cada dia.
Foi a lembrança que me veio quando fiz, aos 55 anos, pela primeira vez, um pão. Claro, não tinha todo aquele ritual, porque feito numa máquina elétrica, mas respeita as mesmas etapas: é preciso sovar a massa, para unir todos os elementos; segue-se um tempo de descanso em que a máquina se mantém em silêncio; e o processo de assar, em que a massa branca vai tomando forma e mostrando a coloração peculiar a um pão, crescendo e tornando-se o alimento pelo qual lutamos no nosso dia a dia.
Aqui em casa, o piloto oficial da máquina de pão é o meu pai. Neste momento, ele está provisoriamente liberado desta função para poder se preocupar com a sua saúde. Então, entrei em ação e aprendi a fazer pão e, até – invejem! – a cozinhar pinhão! Tornei-me um autêntico dono de casa. Não sei se sou o número dois, três ou quatro, na ordem daqueles que executam as tarefas domésticas, mas isto não está me preocupando.
Fazer estas pequenas coisas tão necessárias a uma rotina de nossas vidas tem feito a diferença em não desperdiçar aquilo que outros fazem e que não valorizamos: o pão à mesa é obrigação de alguém; o leite aquecido surge do nada; a criatividade em procurar um cardápio diferente todos os dias não é minha preocupação.
Quem lida com esta rotina sabe que alimentar uma família com criatividade é um calvário de todos os dias. Eu estou aprendendo a ser enfermeiro, acompanhante e, até, cozinheiro. Estou aprendendo a ter a tolerância (poderia ser paciência?), que nunca foi o meu forte. Cada pequena vitória ensina algo muito simples: como esquentar um alimento, alcançar uma medicação, ou simplesmente valorizar uma máquina que desliga e me oferece um alimento novinho, apenas pedindo uma cobertura de manteiga e uma xícara de café: o pão nosso de cada dia.
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